sábado, 20 de julho de 2024

UMA REFLEXÃO CRÍTICO-FILOSÓFICA SOBRE PADRE CÍCERO E ALGUNS FATOS DE SUA VIDA.(Considerações finais )


O objetivo deste artigo consiste em expor algumas reflexões de ordem crítica acerca de certos fatos relacionados à vida do Padre Cícero Romão Batista a partir de registros contidos em obras históricas sobre o assunto.  Concluindo , apresentamos as considerações finais ao tempo em que já agradecemos a colaboração e parabenizamos o autor Dom Samuel. 



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos homens e mulheres que foram injustiçados durante a vida, morreram inabalavelmente convencidos de que a posteridade far-lhes-ia justiça e tal efetivamente verificou-se em quase todos os casos de que se tem notícia. Coisa diferente não poderia deixar de acontecer com o santo da nação romeira.

Monsenhor Murilo de Sá Barreto, no prólogo que escreveu para a segunda edição do livro de Dona Amália Xavier, assim se exprimiu:

“Lamento profundamente que em tão pouco lapso de tempo se tenha dito tantas inverdades, criado tamanhas estultices e aberrações e em pleno século de civilização, se vomitasse tanto rancor e tanto ódio a um padre que se dedicou com alma de missionário, aos humildes e sofredores.” (Cit in: XAVIER, 2001, p. 22)

Não é raro que homens injustiçados, perseguidos e caluniados durante a vida, recebam depois de sua morte o veredito consagrador dos pósteros, os quais, não mais perturbados pelo vento de paixões impetuosas que perturbam a capacidade reflexiva, veem as coisas de um prisma bem diverso.

Eu não gostaria de concluir este artigo, sem referir aqui três testemunhos dos mais significativos sobre o padre Cícero, os quais, por terem sido dados por homens insuspeitos, são por isso mesmo preciosos.

Dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de Fortaleza, numa página exemplar que saiu no semanário católico “A Fortaleza” de 10 de março de 1968, escreveu que

“as calúnias de que o padre Cícero foi vítima só encontram comparação na fama de santidade que lhe cercou o nome pelos sertões adentro. Comparando a minha vida com a de padre Cícero, reconheço-me muito inferior a ele. É assim que encaro essa figura impressionante de sacerdote que foi padre Cícero. Admiro-o sinceramente.” (In: SOBREIRA, 2011, p. 292 e 294)

Quando tais palavras escreveu, ponderou Dom Delgado, como que pedindo abertamente que o caso relativo a padre Cícero fosse revisto: “Já se passaram trinta e quatro anos depois do seu falecimento. Já era tempo de fazer-se uma honesta revisão de sua vida, afim de podermos pesar-lhe os reais merecimentos.” (ÍBIDEM, p. 295)

O ilustre historiador baiano Rocha Pombo, no prefácio do livro O padre Cícero e a população do Nordeste, escreveu que ele “construiu vários asilos, orfanatos e grande número de colégios onde recolhia crianças dos distritos vizinhos. Desde esse tempo constituiu-se aquele homem o estímulo moral, o socorro, o amparo de todas as populações da vasta zona do Cariri.” (POMBO APUD SILVA, 1927, p. 64)

O magnífico reitor Martins Filho, quando escreveu no seu grande livro O Ceará, em colaboração com o benemérito historiador cearense Raimundo Girão, observou com justiça imparcial que:

“qualquer que seja o conceito que se forme a respeito de sua destacada individualidade, impossível será negar tenha sido ele fator de enorme progresso, e no campo espiritual um conselheiro e  desvelado protetor do seu povo. Todos que o procuravam encontravam invariavelmente nele o carinho de palavra ou gesto amigo. Foi o consolador das gentes abandonadas do sertão que sempre tiveram fome e sede de justiça.” (SOBREIRA, 2011, p. 49)

Escrevendo sobre o padre Cícero, eis o parecer do eminente senador da República Fernandes Távora em seu livro Algo de minha vida:

“Padre Cícero era um homem de ótimas qualidades morais, o homem mais humilde e despreocupado de sua pessoa e dos bens terrenos que se possa imaginar, não recebendo qualquer importância pelos serviços eclesiásticos. Dava esmolas, educava por sua conta grande número de moças pobres, protegia os que lhe pediam amparo.” (In: SOBREIRA, 2011, p. 189)

Finalmente, o senhor Antônio Carlos da Silva, em seu livro O padre Cícero e a população do Nordeste, assim se exprimiu:

“Se venho à tribuna, é apenas para narrando fatos que bem conheço, juntar os meus protestos de solidariedade aos daqueles que tem, por todos os meios dignos e enérgicos, sabido defender, sem rebuços e sem artifícios, o padre Cícero Romão Batista, que por si só, constitui verdadeiro padrão de glória do país a que pertence. É triste conhecer-se que pastor e ovelhas sejam constantemente vítimas das mais cruéis injustiças, de tantas ingratidões e das piores aleivosias, partidas todas de homens das mesmas crenças religiosas, e pior do que isso, conterrâneos seus, filhos da mesma pátria. Nunca ouvi, de um só estrangeiro domiciliado no país ou de passagem pelo Nordeste, uma só frase contra s. Revma, nem contra o povo daquela região. Procedem as acusações sempre da célebre classe dos despeitados, aos quais fazem sombra esse respeitável sacerdote e essa abnegada falange de patriotas a toda prova.” (SILVA, 1927, p. 19)

 

A justiça, assim como o próprio Deus, pode as vezes tardar, mas uma hora qualquer chega para reparar tudo quanto de errado e injusto foi dito, escrito e pensado. Ao falar assim, não se pode deixar de pensar no Padre Cícero. Poucos homens terão sido tão incompreendidos e julgados com tão excessiva severidade por alguns como ele, o que serviu apenas para ressaltar o seu valor.

O tempo, porém, aliado da verdade e salutar remédio para a cura de muitas feridas da alma, encarregou-se de mostrar onde estava a verdade e onde a mentira, aliada de primeira hora do ódio que cega, do despeito que aniquila e da inveja que nunca perdoa os triunfos alheios. Que o diga o Senhor Jesus, vítima da inveja daqueles que nunca lhe perdoaram a eminente superioridade.

No ano de 2008, “o templo que padre Cícero ergueu foi elevado pelo papa, em setembro, à condição de basílica. Logo à entrada, assentou-se também um escudo vermelho e dourado, ornado com as chaves de São Pedro e as imagens de um urso, um rosto humano e uma concha: o brasão oficial de Bento XVI.” (NETO, 2009, p. 516)

Tal atitude, mostrou que o sentimento da Igreja, na pessoa do soberano pontífice máximo, com respeito ao padre Cícero já tinha mudado faz tempo. O caminho para uma possível e ao que tudo indica agora provável canonização, tornou-se mais curto.

A Igreja, enquanto corpo místico de Nosso Senhor Jesus Cristo não erra nem pode errar, o que não vale para os eclesiásticos de carne e osso. Uma coisa é a Igreja e outra coisa são seus ministros. Eis porque o filósofo francês Jacques Maritain, que aliás compreendeu esta diferença muito bem, escreveu uma obra chamada: “A Igreja e o pessoal da Igreja.”

Dom Joaquim e Dom Quintino(este de venerável memória e digno de todo o nosso respeito) podem até ter se excedido no caso do padre Cícero, mas os dois devem ter sido movidos por intima convicção de fé, na certeza de que procediam de acordo com o que a sua consciência de legítimos sucessores dos apóstolos lhes ordenava fazer.

Aos 20 de julho de 1934, Padre Cícero fechava em definitivo o belo par de olhos azuis que a providência divina lhe dera, para esta vida mortal. Morto, ainda vive nos corações de milhões de devotos espalhados por todo o Brasil, muitos dos quais vão a juazeiro pelo menos uma vez por ano para reverenciar-lhe a memória.

No ponto mais alto da serra do Catolé, eleva-se hoje a alva estátua de 27 metros de altura, uma das dez maiores estátuas cristãs de concreto das Américas, ali erguida no ano de 1969, pelo então prefeito municipal de Juazeiro Mauro Sampaio.

O rei do Baião, Luiz Gonzaga, que também era devoto do padrinho, imortalizou-a com uma tocante canção: “olha lá no alto do horto ele está vivo, ele não está morto...”

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Edições Loyola, 1995.

DA SILVA, ANTÔNIO CARLOS. O padre Cícero e a população do nordeste. Elementos de defesa, história e propaganda. Imprensa Nacional. Rio de Janeiro, 1927.

MOREL, EDMAR. Padre Cícero. O santo de Juazeiro. Empresa gráfica o Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1946.

NETO, LIRA. Padre Cícero. Poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

OLIVEIRA, XAVIER, A. O Padre Cícero que eu conheci. Fortaleza: Editora Afiliada, 2001.

SILVA, A. COMPARATO, D. Padre Cícero. Record. Rio de Janeiro, 1984.

SILVEIRA, D. A. Ungidos do Senhor. Na Evangelização do Ceará. 1700 – 2004. Premius Editora: Fortaleza, 2004.

 SOBREIRA. AZARIAS.  O patriarca de Juazeiro. Edições UFC. Fortaleza, 2011.

 


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