Por ocasião do aniversário dos 90 anos de Vida Eterna do Padre Cícero estaremos nestes 4 dias seguintes, apresentando um artigo inédito de Dom Samuel Dantas de Araújo, OSB. que consiste em expor algumas reflexões de ordem crítica acerca de certos fatos relacionados à vida do Padre Cícero Romão Batista a partir de registros contidos em obras históricas sobre o assunto.
foto: pautilia ferrazUMA REFLEXÃO CRÍTICO-FILOSÓFICA SOBRE PADRE CÍCERO E ALGUNS FATOS DE SUA VIDA.
- Introdução - O recém ordenado Cícero Romão
- 1. SOBRE A POSSIBILIDADE DE QUE UM VERDADEIRO MILAGRE TENHA DE FATO OCORRIDO EM JUAZEIRO DO NORTE
- 2. SOBRE O SEU ENVOLVIMENTO COM A POLÍTICA
- 3. O MILAGRE CHAMADO JUAZEIRO DO NORTE.
- 4. Considerações finais
PALAVRAS-CHAVE:
Padre Cícero. Fé. Milagre. Juazeiro.
Um
livro ou um artigo acadêmico escritos sobre o Padre Cícero Romão Batista e os
fatos relativos à Juazeiro do Norte à época em que ele ali viveu como modesto
pastor de almas, nos dias que correm, não teriam qualquer razão de ser, se se
limitassem a contar o que já assaz se sabe, e isto devido aos muitos trabalhos
já escritos sobre os respectivos assuntos. Para que escrever de novo sobre o
que outros tantos já disseram e que quase todos já sabem até nos detalhes?
Não
pretendo nestas linhas realizar trabalho de historiador. É próprio do filósofo
interessar-se não pelos fatos considerados em si mesmos, mas sobretudo pelo elemento
invisível neles latente e que nem sempre se consegue enxergar. O que aqui me
interessa é apenas refletir criticamente, sem desconsiderar o fato histórico, sobre
a possível significação maior nele contida. Ao homem de pensamento, a história
só interessa enquanto fonte de lições e aprendizagem. O que houve é irrelevante
e pouco importa; o que vale é o que se pode aprender com o acontecimento e o
que este nos revela.
No
caso do Padre Cícero, há duas categorias de pessoas totalmente inaptas para
discorrer criticamente sobre ele e sua tumultuada vida terrena: os que
cometeram o erro de quase endeusá-lo, como se se tratasse de uma espécie de
entidade sobrenatural, e os que o odiaram gratuitamente, ou quem sabe talvez
por algum secreto e inconfessável motivo.
Ao
historiador, ainda que possa emitir algum juízo valorativo sobre uma personagem
histórica singularíssima, qual foi o célebre fundador de Juazeiro do Norte,
levado seja pela simpatia, seja por uma visceral aversão, compete-lhe apenas e
somente no seu ofício relatar fidedignamente o que houve, a partir de fontes
históricas confiáveis e dignas de crédito. Transpostos para registros escritos,
os fatos aí estão para quem quer que queira inteirar-se do que então realmente
aconteceu.
Quem
seja um devoto fanático do padre Cícero, não pode nem deve escrever sobre ele,
porque apenas o defenderá, limitando-se a exaltar suas virtudes. Por outro
lado, quem seja desafeto declarado também não pode nem deve fazê-lo, e por duas
razões bem precisas: nem lhe reconhecerá mérito ou virtude de espécie alguma, e
tenderá, por força da aversão entranhada que lhe vota, a pintar uma figura
sinistra que só existe em sua imaginação. Julgo pois, que a pessoa mais apta a
escrever sobre tão controversa personagem, que ainda hoje continua a povoar o
imaginário popular sobretudo no Nordeste, é a que consegue manter-se
equidistante tanto do amor exagerado que só vê qualidades intocáveis e
desconsidera as sombras que todos temos, quanto do ódio corrosivo, que apenas vê defeitos hediondos e recusa-se a
ver e aplaudir o lado luminoso, que até os mais sórdidos canalhas devem ter,
suponho eu.
Apesar
da minha admiração declarada por Padre Cícero, que aliás aqui confesso com
simplicidade infantil, ela jamais descambou em momento algum de minha vida para
o fanatismo supersticioso que tem o poder de converter anões em gigantes, não
faço parte de nenhum dos grupos aos quais há pouco me referi. Se a um ou outro
pertencesse na qualidade de membro ativo, não
teria me aventurado a escrever estas linhas, que nem são de defesa
incondicional e muito menos de reserva absoluta. São apenas reflexões nascidas
na mente de quem se dispôs a pensar friamente sobre um ou outro acontecimento
relacionado à vida do Padre Cícero Romão Batista, depois que a Igreja, por meio
de sua santidade o papa Francisco, deu autorização para o início do processo de
beatificação do servo de Deus padre Cícero.
O
apóstolo e evangelista São João, relata
que:
“dentre as pessoas da multidão que tinham
ouvido suas palavras(de Jesus) alguns
diziam: verdadeiramente este é o profeta! Outras diziam: ele é o Cristo. Mas
outras diziam: poderia o Cristo vir da Galiléia? Deste modo a multidão se
dividiu a seu respeito” (Jo cap. 7, 40 – 42: BÍBLIA, 1995, p. 1773)
Noutra
ocasião, estando Jesus com os seus discípulos numa localidade chamada Cesaréia
de Filipe, perguntou-lhes o divino mestre quem era ele no dizer dos homens:
“Uns dizem que tu és João Batista, outros Elias, outros Jeremias, outros ainda
que tu és um profeta que ressuscitou dos mortos.” De novo posições tão diversas
sobre uma mesma pessoa!
Quando
interrogado por Pilatos, havia duas classes de pessoas diante de Jesus: os
amigos que o admiravam e ali estavam lamentando a amarga sorte de um homem bom
que passara toda a sua curta vida fazendo o bem, e seus ferozes e implacáveis
inimigos, cujo ódio violento a sua pessoa nunca lhe deu um instante sequer de
trégua, solicitando aos brados a sua condenação à morte.
Suponho
que alguém poderia me perguntar curioso porque em um texto sobre o patriarca de
Juazeiro começo falando de fatos ligados a vida do Senhor Jesus, e a minha
resposta é que entre as duas vidas há muita coisa em comum.
Todo
grande homem, alguém que se distingue da grande maioria por qualidades
extraordinárias – nem os pequenos nem os
medíocres são capazes disso – tende tanto a despertar admiração, arrastando
após si uma entusiasta plateia de admiradores devotados, como também a suscitar
nos corações de muitos por causa da inapagável chama do seu intenso brilho
pessoal os vícios mais abjetos e
daninhos de que a mísera natureza humana é capaz, a começar por uma amarga
planta espinhosa que atende pelo nome de inveja, e que Santo Agostinho
sabiamente chamou de o pecado diabólico por excelência. Lê-se na Bíblia, que a
morte entrou no mundo por causa da inveja do demônio, que os sumos sacerdotes
entregaram Jesus por inveja, que devorado por este câncer pestífero e letal, o
rei Saul tentou assassinar o jovem David.
Por
várias vezes, consoante célebre fábula, um escorpião tentou matar um vagalume
que jamais lhe fizera nenhum mal. Intrigado este com aquela perseguição
implacável para a qual não havia nenhuma justificativa razoável, inquiriu-lhe a
razão por que o perseguia para eliminá-lo e a resposta que obteve foi esta: seu brilho me incomoda. Dispenso-me da tarefa
de tecer comentários sobre a moralidade da fábula por causa da obviedade do
sentido. O que aí se lê, aplica-se tanto a figura adorável do Senhor Jesus,
quanto ao patriarca de Juazeiro, tendo sido ambos, ainda que em medidas
diferentes, vítimas da inveja.
A
dita de ter amigos fieis e dedicados e detratores ensandecidos parece ser
apanágio dos homens de grande coração e mente. Não tenho dúvida alguma que o
homem a quem este texto se refere foi um deles.
Para
que se possa bem compreender a figura humana de padre Cícero, é preciso antes
de mais nada considerar atentamente o evento que dividiu radicalmente sua vida
em um antes e um depois. Claro está que este evento divisor é o que ter-se-ia
dado no pequeno povoado de Juazeiro do Norte à época em que o recém-ordenado
Cícero Romão Batista por lá pastoreava um diminuto rebanho de almas confiadas a
sua solicitude pastoral pela autoridade diocesana.
Ao
que se sabe, nada houve de extraordinário e digno de notoriedade pública na
vida do jovem aspirante cratense as ordens sacras nem no período que precedeu
sua entrada no Seminário da Prainha em Fortaleza, nem nos anos em que esteve
fixado naquela venerável instituição formadora de sacerdotes católicos, e a
qual o estado do Ceará deve muitíssimo.
Poder-se-ia,
pois, dizer que o futuro patriarca de Juazeiro, sobre o qual seriam escritos
centenas de livros e trabalhos acadêmicos, comportou-se com toda probabilidade,
como qualquer jovem seminarista da geração a que pertenceu.
Aguarde amanhã a parte 2 do Texto
- SOBRE A POSSIBILIDADE DE QUE UM VERDADEIRO MILAGRE TENHA DE FATO OCORRIDO EM JUAZEIRO DO NORTE
Nenhum comentário:
Postar um comentário