quarta-feira, 17 de julho de 2024

UMA REFLEXÃO CRÍTICO-FILOSÓFICA SOBRE PADRE CÍCERO E ALGUNS FATOS DE SUA VIDA. (Dom Samuel Dantas de Araújo - USB)

 

Por ocasião do aniversário dos 90 anos de  Vida Eterna do Padre Cícero estaremos nestes 4 dias seguintes, apresentando um artigo inédito de  Dom Samuel Dantas de Araújo, OSBque consiste em expor algumas reflexões de ordem crítica acerca de certos fatos relacionados à vida do Padre Cícero Romão Batista a partir de registros contidos em obras históricas sobre o assunto. 

foto: pautilia ferraz

UMA REFLEXÃO CRÍTICO-FILOSÓFICA SOBRE PADRE CÍCERO E ALGUNS FATOS DE SUA VIDA. 

  • Introdução  - O recém ordenado Cícero Romão
  • 1. SOBRE A POSSIBILIDADE DE QUE UM VERDADEIRO MILAGRE TENHA DE  FATO OCORRIDO EM JUAZEIRO DO NORTE
  • 2. SOBRE O SEU ENVOLVIMENTO COM A POLÍTICA
  • 3. O MILAGRE CHAMADO JUAZEIRO DO NORTE.
  • 4. Considerações finais 

 RESUMO:O objetivo deste artigo consiste em expor algumas reflexões de ordem crítica acerca de certos fatos relacionados à vida do Padre Cícero Romão Batista a partir de registros contidos em obras históricas sobre o assunto.

 

PALAVRAS-CHAVE: Padre Cícero. Fé. Milagre. Juazeiro.

 INTRODUÇÃO

 

Um livro ou um artigo acadêmico escritos sobre o Padre Cícero Romão Batista e os fatos relativos à Juazeiro do Norte à época em que ele ali viveu como modesto pastor de almas, nos dias que correm, não teriam qualquer razão de ser, se se limitassem a contar o que já assaz se sabe, e isto devido aos muitos trabalhos já escritos sobre os respectivos assuntos. Para que escrever de novo sobre o que outros tantos já disseram e que quase todos já sabem até nos detalhes?

Não pretendo nestas linhas realizar trabalho de historiador. É próprio do filósofo interessar-se não pelos fatos considerados em si mesmos, mas sobretudo pelo elemento invisível neles latente e que nem sempre se consegue enxergar. O que aqui me interessa é apenas refletir criticamente, sem desconsiderar o fato histórico, sobre a possível significação maior nele contida. Ao homem de pensamento, a história só interessa enquanto fonte de lições e aprendizagem. O que houve é irrelevante e pouco importa; o que vale é o que se pode aprender com o acontecimento e o que este nos revela.

No caso do Padre Cícero, há duas categorias de pessoas totalmente inaptas para discorrer criticamente sobre ele e sua tumultuada vida terrena: os que cometeram o erro de quase endeusá-lo, como se se tratasse de uma espécie de entidade sobrenatural, e os que o odiaram gratuitamente, ou quem sabe talvez por algum secreto e inconfessável motivo.

Ao historiador, ainda que possa emitir algum juízo valorativo sobre uma personagem histórica singularíssima, qual foi o célebre fundador de Juazeiro do Norte, levado seja pela simpatia, seja por uma visceral aversão, compete-lhe apenas e somente no seu ofício relatar fidedignamente o que houve, a partir de fontes históricas confiáveis e dignas de crédito. Transpostos para registros escritos, os fatos aí estão para quem quer que queira inteirar-se do que então realmente aconteceu.

Quem seja um devoto fanático do padre Cícero, não pode nem deve escrever sobre ele, porque apenas o defenderá, limitando-se a exaltar suas virtudes. Por outro lado, quem seja desafeto declarado também não pode nem deve fazê-lo, e por duas razões bem precisas: nem lhe reconhecerá mérito ou virtude de espécie alguma, e tenderá, por força da aversão entranhada que lhe vota, a pintar uma figura sinistra que só existe em sua imaginação. Julgo pois, que a pessoa mais apta a escrever sobre tão controversa personagem, que ainda hoje continua a povoar o imaginário popular sobretudo no Nordeste, é a que consegue manter-se equidistante tanto do amor exagerado que só vê qualidades intocáveis e desconsidera as sombras que todos temos, quanto do ódio corrosivo,  que apenas vê defeitos hediondos e recusa-se a ver e aplaudir o lado luminoso, que até os mais sórdidos canalhas devem ter, suponho eu.

Apesar da minha admiração declarada por Padre Cícero, que aliás aqui confesso com simplicidade infantil, ela jamais descambou em momento algum de minha vida para o fanatismo supersticioso que tem o poder de converter anões em gigantes, não faço parte de nenhum dos grupos aos quais há pouco me referi. Se a um ou outro pertencesse na qualidade de membro ativo, não  teria me aventurado a escrever estas linhas, que nem são de defesa incondicional e muito menos de reserva absoluta. São apenas reflexões nascidas na mente de quem se dispôs a pensar friamente sobre um ou outro acontecimento relacionado à vida do Padre Cícero Romão Batista, depois que a Igreja, por meio de sua santidade o papa Francisco, deu autorização para o início do processo de beatificação do servo de Deus padre  Cícero.

O apóstolo e evangelista São João, relata  que:

“dentre as pessoas da multidão que tinham ouvido suas palavras(de Jesus)  alguns diziam: verdadeiramente este é o profeta! Outras diziam: ele é o Cristo. Mas outras diziam: poderia o Cristo vir da Galiléia? Deste modo a multidão se dividiu a seu respeito” (Jo cap. 7, 40 – 42: BÍBLIA, 1995, p. 1773)

Noutra ocasião, estando Jesus com os seus discípulos numa localidade chamada Cesaréia de Filipe, perguntou-lhes o divino mestre quem era ele no dizer dos homens: “Uns dizem que tu és João Batista, outros Elias, outros Jeremias, outros ainda que tu és um profeta que ressuscitou dos mortos.” De novo posições tão diversas sobre uma mesma pessoa!

Quando interrogado por Pilatos, havia duas classes de pessoas diante de Jesus: os amigos que o admiravam e ali estavam lamentando a amarga sorte de um homem bom que passara toda a sua curta vida fazendo o bem, e seus ferozes e implacáveis inimigos, cujo ódio violento a sua pessoa nunca lhe deu um instante sequer de trégua, solicitando aos brados a sua condenação à morte.

Suponho que alguém poderia me perguntar curioso porque em um texto sobre o patriarca de Juazeiro começo falando de fatos ligados a vida do Senhor Jesus, e a minha resposta é que entre as duas vidas há muita coisa em comum.

Todo grande homem, alguém que se distingue da grande maioria por qualidades extraordinárias –  nem os pequenos nem os medíocres são capazes disso – tende tanto a despertar admiração, arrastando após si uma entusiasta plateia de admiradores devotados, como também a suscitar nos corações de muitos por causa da inapagável chama do seu intenso brilho pessoal  os vícios mais abjetos e daninhos de que a mísera natureza humana é capaz, a começar por uma amarga planta espinhosa que atende pelo nome de inveja, e que Santo Agostinho sabiamente chamou de o pecado diabólico por excelência. Lê-se na Bíblia, que a morte entrou no mundo por causa da inveja do demônio, que os sumos sacerdotes entregaram Jesus por inveja, que devorado por este câncer pestífero e letal, o rei Saul tentou assassinar o jovem David.

Por várias vezes, consoante célebre fábula, um escorpião tentou matar um vagalume que jamais lhe fizera nenhum mal. Intrigado este com aquela perseguição implacável para a qual não havia nenhuma justificativa razoável, inquiriu-lhe a razão por que o perseguia para eliminá-lo e a resposta que obteve foi esta:  seu brilho me incomoda. Dispenso-me da tarefa de tecer comentários sobre a moralidade da fábula por causa da obviedade do sentido. O que aí se lê, aplica-se tanto a figura adorável do Senhor Jesus, quanto ao patriarca de Juazeiro, tendo sido ambos, ainda que em medidas diferentes, vítimas da inveja.

A dita de ter amigos fieis e dedicados e detratores ensandecidos parece ser apanágio dos homens de grande coração e mente. Não tenho dúvida alguma que o homem a quem este texto se refere foi um deles.

Para que se possa bem compreender a figura humana de padre Cícero, é preciso antes de mais nada considerar atentamente o evento que dividiu radicalmente sua vida em um antes e um depois. Claro está que este evento divisor é o que ter-se-ia dado no pequeno povoado de Juazeiro do Norte à época em que o recém-ordenado Cícero Romão Batista por lá pastoreava um diminuto rebanho de almas confiadas a sua solicitude pastoral pela autoridade diocesana.

Ao que se sabe, nada houve de extraordinário e digno de notoriedade pública na vida do jovem aspirante cratense as ordens sacras nem no período que precedeu sua entrada no Seminário da Prainha em Fortaleza, nem nos anos em que esteve fixado naquela venerável instituição formadora de sacerdotes católicos, e a qual o estado do Ceará deve muitíssimo.

Poder-se-ia, pois, dizer que o futuro patriarca de Juazeiro, sobre o qual seriam escritos centenas de livros e trabalhos acadêmicos, comportou-se com toda probabilidade, como qualquer jovem seminarista da geração a que pertenceu.

Aguarde amanhã a parte 2 do Texto 

  • SOBRE A POSSIBILIDADE DE QUE UM VERDADEIRO MILAGRE TENHA DE  FATO OCORRIDO EM JUAZEIRO DO NORTE

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