sábado, 1 de junho de 2024

NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM Mc 2, 23-28 Texto Dom Samuel OSB

Nota: A Igreja, depois dos tempos quaresmal e pascal, retoma a partir deste domingo, o tempo litúrgico que se chama “comum”, composto de 34 semanas, sendo dos tempos litúrgicos o mais longo.

Conta-nos São Marcos evangelista no trecho evangélico lido pela Igreja neste domingo, que, passando Jesus com seus discípulos por um campo de trigo, puseram-se eles a arrancar espigas e a comê-las, o que provocou a crítica dos fariseu, os quais disseram que não era lícito se fizesse aquilo em dia de sábado.

São Marcos não deixou claro em seu relato a razão pela qual os discípulos do Senhor fizeram aquilo, mas já o evangelista Mateus, ao narrar o mesmo fato, observou: “Seus discípulos sentiram fome.”  Eis aí a causa do ato praticado pelos discípulos!

Os fariseus limitaram-se no seu julgamento a fazer o que quase todos nós fazemos nos nossos quando julgamos as ações alheias, cujas causas, via de regra, ignoramos completamente. Olharam somente para a ação exterior sem, no entanto, ponderar sobre a causa que teria dado origem àquela ação.

Os discípulos colheram espigas e as comeram porque estavam oprimidos pela fome, por causa da qual aliás, alguns por vezes chegam ao ponto de roubar, e precisamente para que os não mate a fome. Os fariseus condenam sumariamente o ato, muito embora tenha sido praticado por causa da fome.

Inúmeras vezes fazemos nós exatamente o mesmo, se bem pensarmos. Vemos ações praticadas e ao invés de nos perguntarmos por qual razão terá fulano feito isto ou aquilo, limitamo-nos como aqueles detestáveis homens a dizer que aquilo não é lícito, que a lei não permite tal ou qual coisa. Vê alguém uma pessoa comer muito e sem parar para pensar que talvez o faça porque já há dias não come nada, já a acusa de ser um glutão; vê uma mulher a outra conversando com alguém que não é seu esposo, e já a toma por adúltera, sem todavia refletir que possa tratar-se de uma inocente conversa entre dois bons amigos; fica alguém sabendo que um colega de trabalho não apareceu na empresa para a faina cotidiana e ao invés de pensar que a causa da ausência deveu-se talvez a uma noite as claras, já se refere ao colega como um preguiçoso e um relaxado.

Não havia nada de errado nem de delituoso no que os discípulos, premidos pela fome, fizeram naquela ocasião, e tampouco uma proibição expressa da lei. A lei dispunha, é bem verdade, que não se devia trabalhar em dia de sábado, mas em lugar algum estava escrito que era vedado a alguém arrancar espigas e come-las num dia de sábado, ainda mais quando estivesse sentindo fome.

 Os fariseus, como a esmagadora maioria dos seres humanos, viram delito onde não havia nenhum e o que é pior, julgaram uma ação alheia, coisa que habitualmente costumamos nós também fazer, sem pensar na possível causa que lhe deu origem. E mesmo que porventura constituísse um pecado arrancar espigas num campo em dia de sábado e come-las, ainda sim, a fome serviria para justificar o cometimento de tal ação, porque mais importante que a simples observância de qualquer lei, é o bem estar do ser humano, criado à imagem e semelhança da divina Trindade, e chamado a viver com ela para sempre.

Nosso senhor não viu falta nenhuma no que aqueles homens famintos fizeram por causa da fome que estavam sentindo e por isso disse aos fariseus que eles não cometeram falta.(Mt 12, 7)

Que diferença há entre o juízo de Deus e o dos seres humanos! Onde os homens, costumeiramente péssimos julgadores, veem falta, Deus, cujo modo de julgar é bem diverso do nosso, porque ele vê a intenção enquanto nós apenas a ação externa, nada vê de grave nem de criminoso!

Quantas ações há neste mundo que vistas em si mesmas nos parecem más e ilícitas! Se, todavia, nós víssemos os motivos que estiveram na sua origem, elas já não nos pareceriam tão más e os seus autores, tão faltosos! O inverso também bem pode suceder. Quantas ações há, que aparentando ser boas e santas, não o são na prática porque inspiradas em muitos casos por intenções secretas nem um pouco belas e nobres! Neste mundo(isso é coisa bastante comum na Igreja) quantas pessoas há que fazem o bem para que os outros as chamem de bondosas e como tais as tenham!

Neste sentido, o ato de quem rouba para não morrer de fome nada tem de delituoso, ao passo que nada vale aos olhos de Deus a esmola do que a dá para ser tido e chamado de caridoso. É assim que alguém pode roubar sem ser ladrão como alguém pode fazer o bem sem ser na essência verdadeiramente bondoso.


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