Nota: A Igreja, depois dos tempos quaresmal e pascal, retoma a partir deste domingo, o tempo litúrgico que se chama “comum”, composto de 34 semanas, sendo dos tempos litúrgicos o mais longo.
Conta-nos São Marcos evangelista no trecho evangélico lido pela Igreja neste domingo, que, passando Jesus com seus discípulos por um campo de trigo, puseram-se eles a arrancar espigas e a comê-las, o que provocou a crítica dos fariseu, os quais disseram que não era lícito se fizesse aquilo em dia de sábado.
São
Marcos não deixou claro em seu relato a razão pela qual os discípulos do Senhor
fizeram aquilo, mas já o evangelista Mateus, ao narrar o mesmo fato, observou:
“Seus discípulos sentiram fome.” Eis aí
a causa do ato praticado pelos discípulos!
Os
fariseus limitaram-se no seu julgamento a fazer o que quase todos nós fazemos
nos nossos quando julgamos as ações alheias, cujas causas, via de regra,
ignoramos completamente. Olharam somente para a ação exterior sem, no entanto,
ponderar sobre a causa que teria dado origem àquela ação.
Os
discípulos colheram espigas e as comeram porque estavam oprimidos pela fome,
por causa da qual aliás, alguns por vezes chegam ao ponto de roubar, e
precisamente para que os não mate a fome. Os fariseus condenam sumariamente o
ato, muito embora tenha sido praticado por causa da fome.
Inúmeras
vezes fazemos nós exatamente o mesmo, se bem pensarmos. Vemos ações praticadas
e ao invés de nos perguntarmos por qual razão terá fulano feito isto ou aquilo,
limitamo-nos como aqueles detestáveis homens a dizer que aquilo não é lícito,
que a lei não permite tal ou qual coisa. Vê alguém uma pessoa comer muito e sem
parar para pensar que talvez o faça porque já há dias não come nada, já a acusa
de ser um glutão; vê uma mulher a outra conversando com alguém que não é seu
esposo, e já a toma por adúltera, sem todavia refletir que possa tratar-se de
uma inocente conversa entre dois bons amigos; fica alguém sabendo que um colega
de trabalho não apareceu na empresa para a faina cotidiana e ao invés de pensar
que a causa da ausência deveu-se talvez a uma noite as claras, já se refere ao
colega como um preguiçoso e um relaxado.
Não
havia nada de errado nem de delituoso no que os discípulos, premidos pela fome,
fizeram naquela ocasião, e tampouco uma proibição expressa da lei. A lei
dispunha, é bem verdade, que não se devia trabalhar em dia de sábado, mas em
lugar algum estava escrito que era vedado a alguém arrancar espigas e come-las
num dia de sábado, ainda mais quando estivesse sentindo fome.
Os fariseus, como a esmagadora maioria dos
seres humanos, viram delito onde não havia nenhum e o que é pior, julgaram uma
ação alheia, coisa que habitualmente costumamos nós também fazer, sem pensar na
possível causa que lhe deu origem. E mesmo que porventura constituísse um
pecado arrancar espigas num campo em dia de sábado e come-las, ainda sim, a
fome serviria para justificar o cometimento de tal ação, porque mais importante
que a simples observância de qualquer lei, é o bem estar do ser humano, criado
à imagem e semelhança da divina Trindade, e chamado a viver com ela para
sempre.
Nosso
senhor não viu falta nenhuma no que aqueles homens famintos fizeram por causa
da fome que estavam sentindo e por isso disse aos fariseus que eles não
cometeram falta.(Mt 12, 7)
Que
diferença há entre o juízo de Deus e o dos seres humanos! Onde os homens, costumeiramente
péssimos julgadores, veem falta, Deus, cujo modo de julgar é bem diverso do
nosso, porque ele vê a intenção enquanto nós apenas a ação externa, nada vê de
grave nem de criminoso!
Quantas
ações há neste mundo que vistas em si mesmas nos parecem más e ilícitas! Se,
todavia, nós víssemos os motivos que estiveram na sua origem, elas já não nos
pareceriam tão más e os seus autores, tão faltosos! O inverso também bem pode
suceder. Quantas ações há, que aparentando ser boas e santas, não o são na
prática porque inspiradas em muitos casos por intenções secretas nem um pouco
belas e nobres! Neste mundo(isso é coisa bastante comum na Igreja) quantas
pessoas há que fazem o bem para que os outros as chamem de bondosas e como tais
as tenham!
Neste
sentido, o ato de quem rouba para não morrer de fome nada tem de delituoso, ao
passo que nada vale aos olhos de Deus a esmola do que a dá para ser tido e
chamado de caridoso. É assim que alguém pode roubar sem ser ladrão como alguém
pode fazer o bem sem ser na essência verdadeiramente bondoso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário