A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará aprovou, nesta quarta-feira (30), o projeto de lei nº 718/2023, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (Psol), que institui o Dia da Beata Maria de Araújo e a Semana Maria de Araújo no Calendário Oficial do Estado do Ceará. A iniciativa busca dar visibilidade à protagonista do chamado “Milagre da Hóstia”, fenômeno que originou as primeiras romarias com destino à Juazeiro do Norte, que foi perseguida em vida e após sua morte.
O projeto de lei, que ainda passará pelo sancionamento do governador Elmano de Freitas, prevê a celebração do Dia da Beata Maria de Araújo, anualmente, no dia 24 de maio, data de seu nascimento. “É uma vitória dos movimentos sociais do Cariri, parceiros nessa iniciativa, que lutam para resgatar a sua história, em especial nos últimos cinco anos, mas também é uma conquista daqueles que lutam pela história cearense”, comemora o autor da proposta.
A Semana Maria de Araújo, caso seja sancionada, acontecerá entre os dias 20 e 24 de maio com objetivo de preservar a memória de Maria de Araújo. A ação também busca estimular reflexões sobre as violências em que ela sofreu e o papel da mulher na historiografia oficial cearense. O projeto também sugere debates sobre o racismo e a violência de gênero no Cariri.
“Uma lei estadual reconhecendo a beata Maria de Araújo a qualifica institucionalmente como uma das personalidades femininas cearenses mais importantes da história”, define o professor André Andrade, que compõe o Movimento de Reabilitação da Memória da Beata Maria de Araújo e participou da construção do projeto. Na sua avaliação, a proposta faz justiça a uma das pessoas que “foi durante muito tempo invisibilizada pela Igreja e pelo Estado”, acrescenta.
Esta proposta se soma ao trabalho que o mandato do deputado Renato Roseno faz em resgate às figuras históricas cearenses, como a Preta Tia Simoa e o Beato José Lourenço, líder do Caldeirão da Santa Cruz. “São figuras que foram injustamente perseguidas ou invisibilizadas pela historiografia oficial fundamentais para o desenvolvimento do nosso estado e que representaram lutas importantes em sua época”, completa o parlamentar.
Sendo sancionada pelo governador, a Semana Maria de Araújo prevê os esforços das secretarias estaduais de Mulheres, Cultura, Direitos Humanos, Igualdade Racional, Educação e Proteção Social na promoção de, pelo menos, uma atividade na região do Cariri em alusão à beata. A iniciativa também pode ocorrer em parceria com voluntários, escolas e universidades.
Quem foi Maria de Araújo?
Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, a beata Maria de Araújo, foi figura fundamental para a história e o crescimento urbano de Juazeiro do Norte, já que protagonizou o episódio que ficou conhecido como “Milagre do Joaseiro” ou “Milagre da Hóstia”. Nascida em 24 de maio de 1862 no povoado de Joaseiro, que até então fazia parte do Crato, ela foi uma menina pobre, negra, analfabeta, filha de negros e que foi acolhida ainda jovem pelo Padre Cícero. Na infância, já alegava manifestar estigmas, visões e profecias.
Sua vida mudou em 1889, quando teria transformado, pela primeira vez, a hóstia ou o “corpo de Cristo” em sangue, na antiga Capela de Nossa Senhora das Dores — atual Basílica de Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro do Norte. O fenômeno se repetiria, ao menos, 120 vezes, segundo os historiadores. Isso foi responsável por surgir as primeiras romarias com destino ao vilarejo, que se tornaria a principal cidade da região do Cariri.
Após grande repercussão, a Igreja enviou, por dois momentos, padres até Juazeiro do Norte para analisar o caso. A primeira comissão concluiu que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, enquanto o segundo inquérito os condenou e classificou como “embuste”. O Padre Cícero, que acreditava nos milagres e defendia Maria de Araújo, teve suas ordens suspensas.
A beata foi sentenciada à reclusão, em 1894, onde permaneceu até a sua morte, no dia 17 de janeiro de 1914. Seu corpo foi colocado na Capela do Socorro, mas o túmulo foi violado e destruído em 1930. Seus restos mortais foram roubados e, até hoje, ninguém sabe do seu paradeiro. “A perseguição em vida não foi suficiente e ela ainda foi violentada após sua morte, pois até hoje não sabemos o paradeiro dos seus restos mortais”, lembra Roseno.
Movimento
Diante desse processo de esquecimento, há cinco anos, pesquisadores, artistas, professores, movimento de mulheres, movimento negro e entidades civis do Cariri lutam para que a fiel devota do “padrinho” tenha o devido reconhecimento do poder público e da Igreja Católica. A partir de 2018, surgiu o Movimento de Reabilitação da Memória da Beata Maria de Araújo, que atualmente é formado por cerca de 30 pessoas. Sua primeira ação foi, naquele ano, participar de uma caminhada na Romaria de Candeias e questionar: “onde estão os restos mortais de Maria de Araújo?”.
Desde então, a iniciativa foi crescendo e o grupo já realizou seminários, simpósios, momentos religiosos e o aniversário da beata. A articulação também já conseguiu aprovar duas leis municipais em Juazeiro do Norte. A primeira instituiu o dia 1º de março como o “Dia do Milagre” e a segunda obriga a colocação das imagens da beata nos espaços públicos que também recebem o Padre Cícero.
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