sábado, 27 de maio de 2023

NÃO ESPERE PELA MORTE PARA DIZER “EU TE AMO” OU OFERECER FLORES - texto Dom Samuel Dantas ,OSB

 NÃO ESPERE PELA MORTE PARA DIZER “EU TE AMO” OU OFERECER FLORES

imagem: Pautilia Ferraz 

Desde muito jovem tenho a persistente mania de perguntar a mim mesmo qual é ou pode ser o sentido de determinadas coisas que acontecem neste mundo e com as quais vamos nos deparando ao longo de nosso sofrido jornadear aqui por estas bandas onde vivemos exilados por algum tempo. Tal mania, de tanto cultivá-la, acabou se tornando um hábito, uma como que extensão de minha personalidade, e hoje sou levado a crer que uma parte integrante de mim mesmo, e sem a qual eu  não seria exatamente quem sou.

Algumas destas esquisitices bizarras cujo significado tenho procurado, mas sem tê-lo até agora encontrado é o que as vezes sucede nas chamadas missas de corpo presente. Quando o extinto(a) era socialmente bem posicionado e tinha ocupado algum cargo prestigioso no teatro do mundo – um político famoso, um empresário endinheirado, um ator mundialmente conhecido, um jogador de futebol que se destacou nos gramados – nunca falta quem apareça para desfiar um rosário de elogios para o recém-finado(a), colocando-o ali mesmo em um pedestal de ouro, quando não convertendo-o em santo antes mesmo de a Igreja se pronunciar a respeito. Lá diz antigo ditado que quem morre vira santo de imediato, pelo menos na boca de muita gente.

Em muitos casos, o fulano ou a cicrana que em tais momentos de dor costumam aparecer assim do nada para discursar, exaltando as virtudes ou qualidades do morto, mostraram-se totalmente ausentes e despreocupados em relação a pessoa falecida quando ainda respirava e estava viva  entre nós, não tendo ido uma única vez ao seu encontro.

Eis aí o que a mim causa profunda estranheza quando estas coisas vejo: qual o sentido das palavras ali ditas, ainda que verdadeiras e saídas do fundo do coração, se a pessoa de quem se fala não está mais viva(pelo menos para este mundo) para ouvi-las? E se alguém me perguntasse em que me baseio para fazer tal afirmação, diria que na Bíblia. Mas suponhamos por um momento que a pessoa de quem se fala pudesse ouvir os louvores entoados sobre ela. Acaso ela não diria para si mesma: e por que ele(a) não me disse tudo isso enquanto eu estava lá? Geralmente quem diz maravilhas sobre a pessoa morta jamais disse nada a ela enquanto estava viva, pelo menos nada de semelhante ao que se diz em tais ocasiões, que para o defunto(a) aliás, não pode ter nenhuma significação já que não mais está ali para ouvi-las.

Eis o que me parece absolutamente incompreensível: quem nessas ocasiões lutuosas fala, tendo podido dizer tais coisas a pessoa de quem fala, enquanto ela estava viva e podia ouvi-lo, não as disse. Se a amava e a estimava de fato e de verdade, não teria sido mais sensato e razoável dizer-lhe isso enquanto estava viva? Agora que não mais está, agora que seus ouvidos para sempre foram cerrados, para que dizer? E o mais impressionante é que o “panegirista de finados”, que aparece nos momentos fúnebres, nunca ou quase nunca deu a mínima importância para a pessoa enquanto estava viva. Sabia que estava gravemente enfermo e não o visitou uma só vez; não ignorava que estava no hospital e lá jamais  pôs os pés. Sem contar que nunca sequer se deu ao trabalho de ligar para um parente próximo para solicitar informações sobre o estado de saúde da pessoa.  E se uma tal pessoa poderia alegar como desculpa em sua defesa que não tinha estômago para ver uma pessoa tão querida nas últimas, não poderia, todavia apresenta-la para não ter sequer ligado, coisa que também nunca fez. E todavia, o sujeito lá está na missa de corpo presente para discursar, justamente o tal que antes da morte esteve sempre ausente. Para que? Para quem? Com que propósito, pergunto eu.

As vezes não derrama uma lágrima, prova cabal da grande estima que tinha pelo morto...da autêntica e sincera amizade que lhe votava.

Contou-me uma distintíssima senhora de grandes virtudes que antes de falecer, seu esposo por várias vezes comunicou a um “amigo” o grave estado de saúde em que se encontrava não tendo nunca obtido uma resposta nem recebido uma só visita. Mas no dia da missa de corpo presente, lá estava a esquisita  figura falando sobre o morto, a quem não deu qualquer tipo de assistência moral ou espiritual enquanto estava vivo... 

Acontece ainda que em tais ocasiões o ridículo costuma entrar em cena, mesmo que o fazedor de discursos fúnebres disto não se aperceba. Ora, se é verdade tudo o que ele diz sobre o morto é inútil dizê-lo porque todos sabem; se é mentira, o sujeito se expõe aos risos e comentários dos presentes que sabem que tudo aquilo não passa de invenção imaginária.

Jamais me esqueço do que um padre disse certa feita em uma missa celebrada no dia dos pais: Não espere que quem você ama morra para lhe oferecer flores. Ofereça-as enquanto está vivo. E se pensarmos um pouquinho que seja, não é coisa muito mais razoável e racional depositarmos um lindo buque de flores nas mãos de quem amamos enquanto ainda está vivo do que o depositarmos em cima de um caixão ou inutiliza-lo depositando-o num buraco de sete palmos de terra?

Alguém escreveu: “Triste coisa o animal de duas pernas chamado ser humano.” Entre outras coisas talvez, porque só se resolve a dar flores a alguém quando a pessoa já não pode aspirar sua suave fragrância e dizer-lhe com um lindo sorriso: muito obrigado! 

colaborador : Dom Samuel Dantas, OSB

Dom Samuel(Émerson Dantas de Araújo), é natural de Mauriti- Ce. Monge professo solene de votos perpétuos do Mosteiro de São Bento da Bahia, Salvador. É licenciado em Filosofia e Bacharelado em Teologia pela antiga faculdade de São Bento da Bahia e mestre em Filosofia pela UFBA(universidade Federal da Bahia)


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