APRENDENDO
COM A VIDA!
Carlos
tinha acordado indisposto por causa de uma noite mal dormida. Abatido e
irritado, a primeira coisa que fez ao acordar foi praguejar, amaldiçoando o
mundo e a vida. Sentiu porém uma voz que lhe dizia: “É verdade que tu não
dormiste e tens toda razão de estares aborrecido, mas pensa nos que – e por aí
há muitos – que além de não terem conseguido dormir, não tinham um teto onde
pudessem adormecer em segurança e protegidos.”
Carlos
então dirigiu-se ao banheiro para a primeira higiene matinal. Acostumado a
tomar banho morto, viu que a resistência do chuveiro tinha queimado. Louco de
raiva, soltou palavrões para todos os lados e direções – inclusive na do céu –
e só não arrebentou o pobre chuveiro, bem, sabe-se lá por que.
Uma
vem mais, sentiu ressoar aos seus ouvidos a misteriosa voz que lhe disse:
“Carlos, há gente por aí que nem banho pode tomar, porque lá onde moram não
existe água encanada nem potável, nem também tambores onde possam juntar água.
Carlos disse de si para si: Tens razão...e encarou o banho frio, do qual até
que gostou.
Aguardava-o,
porém, uma nova irritação. Na mesa não encontrou o pão de que tantíssimo
gostava. Por causa de um problema técnico no aparelho da padaria sucedido
durante a madrugada, o precioso pão não fora feito. De novo a voz se fez ouvir:
“Carlos, não há pão, mas há outras coisas...já paraste para pensar um pouco em
quem não encontra nada, absolutamente nada para comer quando acorda?”
Aquela
raiva que dele se apossara, foi aos poucos passando, até que cessou por
completo, quando ponderou que de fato não eram poucos os que ao despertar não
encontravam uma única migalha de pão na mesa. E como poderiam se nem mesmo mesa
havia?
Totalmente
avesso a barulho, Carlos o odiava com todas as forças da sua alma. Como nesse
dia, porém, teria de pegar o ônibus para ir ao trabalho – o carro estava no
conserto – precisou dirigir-se ao ponto. Aí chegando, encontrou o falatório
ensurdecedor que é próprio desses espaços urbanos, onde raramente se acha uma
gotícula de silêncio. Já impaciente e prestes a desistir, de novo ressoou pela
quarta vez a misteriosa voz: “Calma, Carlos! Pense um pouco que seja naquelas
pessoas que vivem em lugares onde o barulho quase nunca para e nas que tem de
escutar cinco dias da semana(quando não trabalham no sábado!) barulho na ida
para o trabalho e na volta para casa!
Carlos
viu-se de novo forçado a concordar com a voz, dando-lhe razão e dali a poucos
instantes seguiu de ônibus para o trabalho.
Exausto
depois de um dia cheio, Carlos descobriu – chegou a pensar que aquilo só podia
ser algum tipo de perseguição movida pelo inferno – que um dos pés da cama em
que dormia tinha arriado, o que significava que nela não poderia dormir.
Desta
vez, antes que a misteriosa voz ressoasse, ele, que nem se irritou nem
praguejou, dirigiu-se ao seu guarda-roupa, tirou dali uma velha rede e
prendendo os seus punhos em dois armadores, adormeceu depressa pensando nos sem cama, nos sem rede, nos sem
casa, nos sem chão...
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