TEMPOS E OLHARES
Dom Samuel Dantas de Araújo.
Bom seria que nós, seres humanos, pelo menos de quando em vez, nos perguntássemos com toda honestidade o que temos habitualmente feito com o tempo de que dispomos e a quem ou ao que temos dado a maior parte dele.
Este bem fugidio – como a ele se referiu um antigo sábio – está sempre fugindo e não descansa, ainda que nós descansemos por algum tempo dos nossos labores cotidianos.
Deus é o senhor do tempo e no-lo deu para que enquanto o temos à nossa disposição, construamos aqui no tempo que passa a nossa habitação definitiva na eternidade que não há de passar.
Uma primeira pergunta que poder-se-ia fazer seria pois a seguinte: quanto tempo reservo eu para o senhor do tempo, para aquele que deu-me o tempo de vida de que ainda disponho e a mesma vida que é um dom seu?
Importa e muito saber tirar o máximo proveito do que um dia há de acabar. Chegará de fato uma hora em que não mais terei o que agora ainda tenho por mercê divina. Depois do último instante, não haverá um instante seguinte, mas apenas a eternidade, onde já não haverá mais tempo que transcorre como agora acontece.
E o tempo que dedico a mim mesmo, qual é? Quanto tempo do meu dia, ou que porção de tempo semanal ou mensal dedico a um agradável estar sozinho comigo mesmo para entre outras coisas me auto-analisar afim de conhecer minhas forças e minhas fraquezas, as luzes que brilham em meu íntimo e as sombras daninhas que vivem a me atrapalhar na estrada da vida?
Precisamos todos passar um tempo conosco, assim como necessitamos de um tempo para nós. Não damos um tempo ao trabalho, as pessoas que nos são caras, aos divertimentos? E por que não nos proporcionarmos a nós mesmos algo que as vezes empregamos com certas coisas das quais ao fim e ao cabo nenhum grande proveito tiramos para nós?
Muito também ganharíamos se empregássemos pelo menos uma parcela deste precioso bem que se chama tempo em profícuas leituras. Bons livros e grandes autores são sempre para quem habitualmente os frequenta excelentes amigos. Já vi muita gente sair de um lugar ou encerrar uma conversa cheia de tédio e aborrecimento, mas ninguém conheço que tenha saído de uma boa leitura menos rico do que quando nela adentrou.
Finalmente, tempo bem empregado é o que aplicamos em fazer o bem, seja agindo, seja falando, escutando, aconselhando, em suma, indo ao encontro de quem de nós porventura precisa.
Hábito nosso, e não dos melhores e mais louváveis, é o de olhar muito para o que pouco importa e pouco para o que muito importa. Todos vivemos olhando para muita coisa o tempo todo, mas para o que mais conviria olhar – para nós mesmos e para Deus – quase que não olhamos.
Lançamos nosso olhar ora para este ora para aquele objeto; as vezes numa direção as vezes noutra, mas para que afinal de contas? O que se ganha, em que se cresce, o que isto me acrescenta de real valor? Enquanto tu olhas para algo que não te diz respeito e que por certo nem há de te tornar melhor e menos ainda mais feliz, ou para alguém que não seja tu mesmo, tua vida está passando e o teu precioso tempo está indo embora para nunca mais voltar.
No que diz respeito ao para onde podemos olhar, temos três opções: podemos olhar ao redor de nós e para os outros, o que não será de muito proveito para nós. Disse certa feita um homem inteligente e sensato: “De tanto olhar os demais, acabei me esquecendo de mim; de tanto olhar o que outros estavam fazendo, deixei eu próprio de fazer muitas coisas que poderia ter feito.”
Podemos olhar para nós, o que é sabedoria, já que olhando-nos, passamos a nos conhecer e nos conhecendo, tornamo-nos sábios, visto que um dos pilares da mais alta sabedoria que neste mundo se pode obter é o famoso “conhece-te a ti mesmo.”
Finalmente, é-nos possível olhar para o alto, onde está Deus e de onde há de vir o nosso socorro, de acordo com o que reza a divina palavra.
A nós compete escolher para onde, para o que, e para quem vamos olhar.
Não podemos, é certo, deixar de olhar, mas podemos escolher o que vamos olhar. Jamais, porém nos esqueçamos do seguinte:
“Há três maneiras de olhar: se queres ser desgraçado, olha para dentro; se queres andar perplexo olha em torno; mas se queres ter paz, olha para cima."
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