A IMORAL E INACEITÁVEL
PANDEMIA DE FEMINICÍDIOS NO BRASIL
Dom Samuel Dantas de
Araújo, OSB
Quando
tomo conhecimento através de algum meio de comunicação social do motivo pelo
qual uma mulher brasileira desapareceu subitamente deste mundo deixando após si uma série de entes queridos
consternados e inconsoláveis, não consigo disfarçar nem ocultar a dor
irreprimível e a íntima revolta que de mim se apossam.
Compreende-se
e até se consegue aceitar que no calor de uma discussão acalorada uma das
partes em contenda perca o domínio de si e agrida a outra; compreende-se que em
atitude de justa e legítima defesa para preservar seu bem mais precioso que é
sua vida, um cidadão alveje outro para
que não venha a perecer ele próprio. Isto e outras coisas mais podemos
compreendê-las se levarmos na devida consideração determinadas circunstâncias,
as quais, se não isentam de todo alguém de culpa, servem ao menos para atenuar
sensivelmente a sua gravidade.
O
que todavia não se consegue compreender e menos ainda aceitar, é que alguém
resolva por termo à vida de uma mulher, portadora do inalienável direito de
viver livre e em paz, sem ser por ninguém molestada ou covardemente
importunada, apenas porque ela decidiu, após pesar na balança do bom senso prós
e contras, colocar um definitivo ponto final em uma odisseia relacional mal
sucedida.
A
mim mesmo me pergunto entre curioso e perplexo o que é que deve haver na cabeça
de certos homens em lugar de cérebro, e no coração ao invés daqueles nobres e
belos sentimentos que nos conferem uma relativa posição de destaque no teatro
do planeta terra para chegarem ao cúmulo de ceifar impiedosamente a vida de uma
mulher por não ter esta querido seguir adiante com uma relação torturante, e
cujo encerramento só pode ter sido provocado pelo acúmulo de uma longa e
dolorosa sequência de maus tratos de toda sorte.
O
que me causa espanto, é que talvez nenhum destes covardes agressores,
verdadeiros vampiros sociais, tenha jamais parado para pensar que o
relacionamento não teria chegado ao fim se outra tivesse sido a sua conduta, se
inteiramente diversa tivesse sido a sua
forma de tratar a mulher. Esquisitos tais homens: atraiçoam, ferem, agridem
verbalmente, desrespeitam, mostram-se frios e indiferentes, não dialogam, não
reconhecem erros, cobram excessivamente e quando a mulher anuncia-lhes o fim da
relação, não a aceitam! Preferem não admitir que eles próprios minaram dia após dia o relacionamento, meio
que obrigando as mulheres a romper com uma união matrimonial nociva para elas,
tanto do ponto de vista físico quanto do psíquico. E não obstante este gigantesco pacote de
maldades ainda não aceitam o término do relacionamento? E o que haveriam de
esperar, pergunto eu. Será que nunca aprenderam o que nossos avós e pais nos
ensinaram: ingratidão tira afeição?
Se
parassem e refletissem um pouco, por pouco inteligentes que sejam, facilmente
perceberiam que na esmagadora maioria dos casos se é que não em todos,
cabe-lhes não pequena culpa pelo malogro do consórcio, sendo eles os grandes
quando não os únicos responsáveis.
Volto
a repetir: estranhíssimos tais homens, vítimas sabe-se lá de quantas coisas
estranhas que se processam no seu íntimo tenebroso e conturbado.
Querem
ser amados, mas não amam; querem ser servidos mas raramente ou quase nunca
servem; querem em seu egoísmo desmedido receber rios de afeto, mas não são
capazes de dar uma gotícula de atenção; querem ser cuidados mas recusam-se a
cuidar; querem a presença e quase sempre estão ausentes. Parecem-se com quem
quer colher flores, sem todavia, se dar ao trabalho de plantá-las e
cultivá-las.
O
primitivismo cerebral de quem diz não aceitar o fim de um relacionamento beira
o surreal inacreditável. Quem assim pensa mostra que ainda não se deu conta de
que não há neste mundo nenhuma possessão perpétua. Quem livremente ingressou em
um relacionamento, assiste-lhe por óbvio pleno e total direito de encerrá-lo
quando constatar a sua nocividade abusiva.
Nada
nos pertence, já que somos quando muito usufrutuários dos bens e riquezas que
nos foram dispensados pelo verdadeiro dono de tudo o que existe – só existe um
e atende pelo nome de Deus. Aliás, meu corpo eu o recebi dos meus genitores e
quanto a minha alma criou-a Deus para que animasse meu corpo. Se pois, nem as
duas partes de que sou constituído me pertencem como exclusivo patrimônio
pessoal, como é possível que um homem se comporte relativamente a uma mulher
como se ela fosse uma espécie de extensão de sua pessoa ou um mero cômodo de
seu domicílio?
Ao
invés da não-aceitação do término do relacionamento que via de regra tem aqui
no Brasil resultado na morte de mulheres inocentes, heroicas mães e
profissionais, penso que seria mais sábio e sensato a humilde aceitação das
próprias falhas, o reconhecimento sincero dos deslizes cometidos, e o que é
mais importante, uma mudança comportamental radical e de atitudes.
O
fim só é inevitável quando não se tem disposição para mudar. Mude-se a si mesmo
e não se precisará chegar a dolorosa contingência da separação.
colaborador : Dom Samuel Dantas, OSB
Dom Samuel(Émerson Dantas de Araújo), é natural de Mauriti- Ce. Monge professo solene de votos perpétuos do Mosteiro de São Bento da Bahia, Salvador. É licenciado em Filosofia e Bacharelado em Teologia pela antiga faculdade de São Bento da Bahia e mestre em Filosofia pela UFBA(universidade Federal da Bahia)