UMA SANTA NO CEARÁ: BEATA MARIA DE ARAÚJO
profª Drª. Fátima Pinho
No dia 24 de maio celebramos 160 anos de nascimento de Maria Magdalena do Espírito Santo.
O fato rapidamente se alastrou na oralidade e não demorou para ganhar espaço na imprensa dentro e fora do Brasil. Cartas eram enviadas do povoado às redações dos jornais que narravam o que chamavam de “milagres”. A primeira notícia sobre os fatos do Juazeiro foi veiculada num jornal de Fortaleza, Pedro II, no dia 19 de julho de 1889, no qual se anunciava: “[...] na povoação do Joazeiro, termo do Crato, existe uma mulher moça, de reconhecidas virtudes.
Desde algum tempo, a datar de sexta- -feira santa do corrente ano, que nas confissões que faz, por ocasião de comungar, a partícula sagrada desfaz-se em sangue, de modo que a toalha da mesa de comunhão está completamente manchada de sangue [...] O Rvd. Padre Cícero Romão Baptista, que é o confessor de Maria de Araújo (assim se chama a virtuosa moça) afirma o fato já descrito, que ainda ontem, antes da missa cantada e sermão, reproduziu-se, de modo que o sangue estava visivelmente novo.” A partir daí a simples e pobre mulher e o jovem padre Cícero, assim como o pequeno povoado do Juazeiro, passaram a ser narrados, discutidos, analisados, interpretados por jornalistas, médicos, cientistas, historiadores, etc. Passados 132 anos do sangramento da Hóstia, o lugar foi transformado na “capital da fé nordestina”, recebendo, em tempos normais, mais de 2 milhões de romeiros por ano.
Padre Cícero e Maria de Araújo, igualmente, ganharam visibilidade e projeção através da imprensa, de livros e de centenas de estudos realizados nas mais diversas áreas do conhecimento ao longo do tempo. Neste tocante, no entanto, pode-se afirmar que, enquanto o padre Cícero foi transformado numa das personalidades mais conhecidas do Brasil, cuja biografia é descrita em centenas de livros, objeto de milhares de reportagens, julgado, defendido, analisado, polemizado, estudado, etc., coube à beata Maria de Araújo apenas o papel de coadjuvante. Ainda no final do século XIX, a Igreja Católica, ao não reconhecer os fatos do Juazeiro como milagres, considerando-os como “prodígios vãos e supersticiosos”, cassou as ordens sacerdotais do padre Cícero e proibiu os fiéis de falarem sobre a beata e os ditos fatos sob pena de excomunhão.
A beata Maria Araújo, que antes da condenação da Igreja foi tratada na imprensa como a protagonista dos chamados “milagres”, descrita comumente com adjetivos elogiosos, tais como: virtuosa moça, devota de reconhecidas virtudes, santa, virgem, sendo em muitas matérias apresentada como a “A beata Maria do Crato”, “A beata Maria do Juazeiro”, “A beata Maria de Araújo e os fatos do Juazeiro”, “A santa do Juazeiro”, “pobre e humilde serva de Deus”, passou, sobretudo a partir de 1897, a ser descrita como “cavilosa”, “embusteira”, “celebre impostora”, “a grande embusteira do Juazeiro”, “ardilosa embusteira”, “histérica”. Embora continuasse a ser amada e adorada por milhares de sertanejos, no transcorrer do século XX Maria de Araújo caiu no ostracismo, no esquecimento, pouco se falando sobre ela e quando o faziam, aparecia como uma coadjuvante do padre Cícero.
Felizmente, na década de 1980, no meio acadêmico, a memória de Maria de Araújo começou a emergir através da bela dissertação de mestrado, depois publicada em livro, de Maria do Carmo Forti, intitulada “Maria de Araújo: a beata do Milagre”. Outros trabalhos acadêmicos surgiram e monografias, dissertações, teses, artigos científicos, traziam a beata como tema. Em 2014, por ocasião do centenário de sua morte, teve início um movimento popular com o objetivo de “resgatar a memória da beata Maria de Araújo”.
Hoje existe um grupo formado por devotos, pesquisadores e religiosos intitulado “Movimento pela reabilitação da memória da santa beata Maria de Araújo”, cujo intuito é realizar encontros acadêmicos e religiosos para discutir sua importância nas questões religiosas do Juazeiro e reivindicar dos poderes públicos o seu reconhecimento, como a lei que obriga a colocação do retrato da beata em repartições públicas. A beata Maria de Araújo ainda não ocupa o lugar que lhe é devido na História do Juazeiro e da religiosidade sertaneja, mas que isso é uma questão de tempo.
matéria publicada no https://jornaldocariri.com.br/. 25 a 31 de maio de 2021 p.2 Opinião
Imagens da comemoração dos parabéns a santa beata Maria de Araújo ( atriz Tica Paiva) na casa da Mestre Nair Silva e Aparecida Rodrigues que nos anfitrionou , onde a mestre Dorinha do Horto cantou o bendito que sua mãe cantava
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