Zenaide Alves
Hoje pra mim, tudo estava correndo normalmente como um dia de terça-feira qualquer, com um diferencial: a empolgação de trocar os livros na Biblioteca do Centro Cultural Banco do Nordeste. Lá estava eu e meu filho, na tenra idade dos 8 anos, onde a curiosidade e a sede de conhecimento foi aguçado com a educação, mesmo que precária da rede pública, mas alicerçada por uma alfabetização particular. Para nossa surpresa, fomos interceptados na recepção com a triste notícia de que não estavam renovando os livros. Um tanto decepcionados ficamos sem norte, até que observando a movimentação no local, fiquei sabendo de uma apresentação do Coral da UFCA em parceria com o CCBA na programação do “Terça Musical”. Como por obra do universo, fomos instigados a assistir.
Mesmo diante da famosa ‘fila brasileira’, por um lapso de segundos, pensamos em desistir, mas lá estávamos sentados aguardando a apresentação do coral. Qual tamanha gratidão por não ter desistido. Mesmo sendo interrompidos pela inapropriada educação daqueles que ali prestigiavam o evento com seus aparelhos de smartphones tocando, me emocionei a partir do primeiro momento de formação.
Vi ali distribuídos entre jovens adolescentes e adultos, uma dedicação a música, procurando formação acadêmica num curso muitas vezes julgados como “isso não tem futuro não”.
Pela primeira vez tive que me redimir e ver a beleza do fruto de tantas horas de ensaio na busca da sintonia de vozes e harmonia de flautas, piano e violoncelo.
Eu me emocionei. Acredito que muitos ali, que ainda continham uma alma delicada, tenha se emocionado também. Um auditório lotado, pessoas em pé, sentado no chão. Um público curioso, outros companheiros dos alunos e até mesmo familiares.
O tempo passou tão rápido que não se percebeu. Foi sim um belo espetáculo, uma espécie de ‘lavagem da audição’ de tanto lixo musical que invade nossa sociedade.
Quero parabenizar a regência do Professor Danilo Nogueira juntamente com sua simpatia em acolher o público explicando aos leigos o que era cada ato apresentado. Saudar a dedicação de cada aluno acompanhado de sua Professora Rute Azevêdo que foi aclamada por todos na sua apresentação.
Ainda extasiada da emoção desta noite, quero aqui também fazer um manifesto.
No final da programação, diante do público que aplaudiam de pé aqueles alunos e mestres, foi concedida a atenção a dois jovens que participavam da organização do evento e da coordenação do CCBN. Naqueles breves minutos fomos comunicados que devido a contenção de gastos anunciados pelo Governo Federal no começo do ano, tanto a UFCA como o próprio Centro Cultural Banco do Nordeste, sofreu um corte de 35% na sua verba; portanto, foi dado a notícia de que este mês de Julho, talvez seria o último mês de apresentação de momentos culturais como aquele que findava diante do público.
Com um ar de manifestação, os jovens solicitavam a presença de todos pra encontrarem uma solução e reforçarem a luta para não deixar o Centro Cultural fechar, anunciando ali, o corte do projeto de empréstimo de livros pra sociedade caririense, assim como as futuras apresentações artísticas. Devido ao horário, não pude esperar pela reunião, mas fiquei com a ‘culpa na consciência’ de não poder dar minha opinião nessa causa.
Então faço aqui um questionamento: se houve esse corte de 35% da verba pública pra manutenção dos centros culturais e da faculdade, o que farão com os outros 65%?
Sei que é muito fácil jogar pedra, apontar ou criticar a administração alheia. Só quem faz parte da administração, sabe da real necessidade. Mas nessa hora fica a questão: como administrar a verba mesmo com contenção de despesas? O que cortar? O que deixar acessível?
Nessa hora, aqueles que lidam diariamente com o ‘jeitinho brasileiro’ de conviver muitas vezes, com menos de um salário mínimo, saberá do que estou aqui tentando dizer.
Dizer: ‘…estão querendo nos calar...; …nos impedir de exercer a cultura…, …nos tirando os livros e colocando armas…, …impedindo de aprender…, …acham que somos máquinas…, …querem nos imbecializar…’; são jargões válidos num momento de revolta em que o país está enfrentando. Mas será que não podemos fazer diferente diante do que temos?
Por quê fechar a biblioteca e cortar o projeto de empréstimos de livros, se é exatamente a leitura que leva ao conhecimento?
Por quê não podemos sacrificar momentaneamente, outros setores, ou tentar balancear as despesas, para nem todos saírem perdendo?
Cortar o mal pela raiz, as vezes não é a solução. Estamos fadados a seguir ordem do Estado e a se revoltar diante de uma militância as vezes desnecessária.
Podemos fazer diferença. Mostrar que temos a habilidade de administrar com pouco, para que no muito, podermos fazer mais pela educação e pela cultura. Para tanto temos também que saber ceder. Mas tudo pode ser feito, desde que não ‘mexam no meu alto salário’. Vamos mudar o Brasil, mas sem abrir mão do alto padrão de alguns cargos hierárquicos.
Não podemos perpetuar essa cultura de ódio que emana na população brasileira, dividindo a raça humana em cores, sexo, classe econômica e partido político.
Será que é utopia minha ver que, com senso de humanidade e espiritualidade, podemos fazer sim a diferença no mundo?
Particularmente, ver meu filho se deleitar nos livros da biblioteca do CCBN, é muito gratificante. Trazer um livro pra casa e poder sair por alguns minutos da bolha das redes sociais é prazeroso. Ver tudo isso se esvaindo por orgulho de poucos que não sabe dividir, se dar, abrir mão de alguma coisa pra ver a cultura nascer da raiz dos olhos e mentes das crianças que frequentam a biblioteca, é revoltante. Nessas horas é que pergunto: de que adianta ‘conhecer a verdade’ se ela só consegue libertar uma pequena parcela da sociedade? Seremos sucumbidos pela ambição alheia? Pensem bem.
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