“Alguma coisa acontece no meu coração…”, versa Caetano, na letra da música Sampa. Mas é na Praça Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, no Ceará, que muitos sentimentos se encontram. Com “Escuto histórias de amor” escrito em uma placa, a psicóloga Carla Cavalcante dispõe de atenção para ouvir os romances que fazem parte da vida de quem quiser falar. Cerca de 160 pessoas já foram escutadas. O projeto surgiu em 2016, inspirado no da artista plástica Ana Teixeira, de São Paulo. Depois de receber em um grupo de mensagens a imagem de umas cadeiras e o tricô com a faixa “Escuto histórias de amor”, a psicóloga quis saber mais a respeito. Descobriu que tratava-se do projeto de arte de rua de Ana Teixeira, e viu no formato uma oportunidade para o aprimoramento profissional.
“Eu buscava algo que me auxiliasse no exercício da escuta, mas que pudesse fazer isso de maneira mais leve, espontânea e que não me tomasse muito tempo, já que minha rotina diária é complicada. Queria algo que pudesse executar sempre que tivesse um tempinho mais livre”, disse.
Mas há diferenças entre as duas abordagens. Na realizada pela artista plástica de São Paulo, há apenas a escuta de histórias de amor romântico. Com Carla, as pessoas têm a liberdade de falar sobre o que elas consideram amor, de todos os tipos. Além disso, existe uma troca de informação, há uma conversa, caso perceba a necessidade. Assim, a caririense levou a arte para as ruas de Juazeiro. Escolheu a Praça Padre Cícero, no centro da cidade, para começar.
“Queria ver qual seria a receptividade das pessoas, como seria falar sobre amor para uma pessoa desconhecida, como seria apenas ser escutado. Aí cheguei com uma ideia parecida com a da Ana, apenas realizar escuta e deixar que as pessoas chegassem até a mim de maneira livre e me contassem a suas histórias de amor”, explicou.
“É que quando cheguei por aqui, eu nada entendi…” o verso explica bem o tipo de expressão das pessoas. Cada um que passava buscava compreender o que significava aquela placa e aquela mulher sentada. Estaria esperando alguém? Olhando o tempo passar? A psicóloga revela que as dúvidas e a timidez dos passantes dificultaram as primeiras ações.
Carla Cavalcante já ouviu pelo menos 160 pessoas desde 2016, quando iniciou o projeto. (FOTO: Arquivo Pessoal)
“Queriam saber o que era aquela faixa, se precisava pagar, o que eu era, o que ia fazer com aquilo. No começo, não tive tanto sucesso. Mas depois as pessoas já conheciam o banner, se aproximavam, ficavam mais à vontade e já chegavam contando as histórias. E aí percebi que elas não só tinham a necessidade de serem escutadas sobre o que consideravam amor, mas também de serem entendidas. Também vi que esse amor que estava no banner não significava o amor entre casais. Comecei a deixar livre, que as pessoas me mostrassem a definição de amor para elas”, explicou Carla.
A ideia inicial da psicóloga era apenas exercitar a escuta. No entanto, Carla aprimorou outros aspectos profissionais nessa troca que vem realizando com desconhecidos por onde passa.
“Busco trabalhar minha resiliência e entender quanto tempo conseguiria ficar apenas na escuta, de que forma eu realmente escutava as pessoas e entendia. Hoje, posso dizer que minha escuta é mais apurada. Não escuto apenas o que as pessoas falam, mas também seus gestos, os olhares que emitem. O projeto continua me ajudando nisso. Cada praça que vou, cada momento é uma escuta diferenciada”, revelou a ouvinte.
Pondo as emoções “do avesso, do avesso, do avesso, do avesso”, Carla abre espaço no coração de quem compartilha essas histórias, libertando a vontade de compartilhar os significados de amor que cada uma carrega na vida.
“As pessoas estão mais livres para falar sobre amor, um tema tão delicado. Isso é positivo. O intuito é, de fato, mexer com elas, fazer com que, na correria do dia a dia, se deparem, numa praça, com alguém que está ali disposto a apenas escutar sem julgar, sem questionar, sem porquês. Para que aquelas pessoas que passavam para o trabalho, que estavam no corre corre, pudessem parar por alguns minutos e contar algo importante da sua vida, algo que fizesse sentido”, revelou.
O “Escuto Histórias de Amor” não tem ponto físico. No entanto, a atividade é realizada em praças ou eventos culturais de Juazeiro do Norte. E, em breve, deve ir por outras cidades. As escutas são feitas de acordo com a disponibilidade da psicóloga, geralmente nos fins de semana.
“Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, Da força da grana que ergue e destrói coisas belas, Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas,” alguma coisa sempre vai seguir acontecendo no coração de cada um. Conte sua história!