Em solenidade realizada em Fortaleza, no dia 24 de março passado, a AFAJ-Associação dos Filhos e Afilhados de Juazeiro do Norte homenageou a professora Maria Zuíla e Silva Morais im memoriam com a comenda Memórias de Juazeiro. Transcrevemos abaixo o discurso de saudação proferido no evento.
MARIA ZUILA E SILVA MORAIS
Maria Zuila Saraiva e Silva foi assim registrada no rito cartorial e segundo as bênçãos da Igreja. Ela nasceu na cidade de Juazeiro do Norte, em 24 de junho de 1921. Era a primogênita dentre os filhos do casal José Pereira e Silva (o Zeca, de “Seu” Marcolino, vindo das Alagoas) e Otília Saraiva e Silva, de profundo tronco e de genealogia caririense. Zuila formaria família numerosa com os irmãos: Zaila, Neusa, Juraci, Zeneida, Audísio, Zuleide e Luiz, estendida na contemporaneidade a muitos filhos, netos, bisnetos e trinetos.
Maria Zuila fez seus estudos, inicialmente, numa escola particular sob a direção de Dona Adelaide Mendonça, onde foi alfabetizada, em 1930. Ingressou no Grupo Escolar Padre Cícero, sob a direção de Amália Xavier de Oliveira, onde cursou todo o primário da primeira à quarta série (de 1931 a 1934). Transferiu-se para a Escola Normal Rural, ali cumprindo os dois anos complementares ao segundo grau, entre 1935 e 1936, para sequenciar com o ingresso no Curso Normal Rural, em três anos, de 1937 a 1939.
Desnecessário é afirmar o prazeroso sentimento da família com essa vinculação de Zuila, na sua formação profissional, mercê da atitude altruística de ter investido, anos antes, para a constituição da mantenedora da nova escola, na figura do Instituto Educacional de Juazeiro do Norte. Zeca, um dos acionistas, o fizera ao lado dos nomes mais expressivos na citadina plêiade valorosa, onde formaram: Pe. Cícero Romão Baptista, Plácido Aderaldo Castelo, Jacinto Botelho de Sousa, Dr. Manoel Belém de Figueiredo, Dr. Mozart Cardoso de Alencar, Dr. Juvêncio Joaquim de Santana, José Geraldo da Cruz, José Pedro da Silva, José Bezerra de Melo, José Bezerra de Menezes, José Hermínio Amorim, Dirceu Inácio de Figueiredo, Antonio Gonçalves Pita, Francisco Neri da Costa Morato, Dorotheu Sobreira da Cruz, José Francisco da Graça, Amália Xavier de Oliveira, Tarcila Estácio da Cruz, Marieta Estácio da Cruz, Elza de Figueiredo Alencar, Nair de Figueiredo Rocha e Adília Sobreira de Oliveira, esta última, bisavó do atual governador do Estado do Ceará.
No dia 19 de novembro de 1939, Zuila se tornou professora ruralista em cerimônia acontecida no Auditorium da Escola Normal Rural, sendo participante de uma turma de 23 professores ruralistas, em sessão solene presidida pelo Dr. Plácido Aderaldo Castelo, representante do governador do Estado, Dr. Menezes Pimentel, o paraninfo. Foram eles: Alzira Pereira Menezes, Ceci Américo Bezerra, Elias Rodrigues Sobral, Grasiela Aderaldo Castelo, Honorina Gomes de Sá, Idelvisse Belém de Figueiredo, Iracema Gonçalves Magalhães, Margarida Ozir Moreira, Maria de Lourdes Garcia, Maria do Carmo Ribeiro, Maria Geni Machado, Maria Glafira Moreira Landim, Maria Gondim Lóssio, Maria Izete Bezerra, Maria Maura Leitão Melo, Maria Rodrigues Sobral, Maria Stela Ribeiro, Maria Zuila Saraiva e Silva, Nicéia Campos Dias, Querubina Mendonça, Raimunda Gonçalves da Cruz, Raimunda Rodrigues de França e Tarcila Moreno Dias.
No ano seguinte, com dezenove anos incompletos, Zuila contraiu núpcias com Alberto Bezerra de Moraes em 21.07.1940. Ele era um desses nomeados filhos da Serra de São Pedro que a partir dos seus 30 anos de idade, e por toda a vida deu tudo do seu melhor para enfrentar empreendimentos comerciais que viabilizassem, com sucesso, a família que constitui ao lado de “Zuzu”. Alberto Morais se tornou uma legenda no comércio do Cariri, especialmente com o seu Armazém São Pedro. Entre os anos 40 e 50, Zuila e Alberto viveram a primeira fase da grande alegria com a família que constituíram: cinco “Marias” (Otília, Célia, Márcia, Sílvia e Angela) e um “José” (José Carlos). Estenderam esse bem estar à sua convivência em sociedade, abrindo sua casa, o endereço tradicional das Malvas, como aconchego de famílias e da juventude dourada, especialmente nos anos 50 e 60.
Em 1952, Zuila Morais fundou e passou a dirigir o Instituto Domingos Sávio. De outras iniciativas devemos mencionar: a fundação e a direção da Escola Parque Dr. Joaquim de Figueiredo Correia, em 1963, que era mais conhecida como Escola de Artes Industriais; a fundação e a direção do Instituto Psico-Pedagógico Eunice Damasceno, em 1967; a fundação e a direção da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais, APAE, em 1968, por cujo trabalho será eternamente lembrada; e também, pela direção do Centro de Reabilitação do Cariri “Luis Moraes Correia”, em 1980.
Da lembrança de tantas ações meritórias de Zuila Moraes, não pode deixar de ser lembrada a existência do Clube de Mães, que funcionou anexo ao Instituto Maria Gorete, precursor do Domingos Sávio. Ali as futuras mamães recebiam acolhimento e eram capacitadas para habilitações domésticas de costura e bordado, voltadas para a confecção de roupinhas de bebês, ao tempo em que eram assistidas com noções de puericultura, especialmente sobre saúde, higiene e cuidados especiais com os filhos.
O Instituto Maria Gorete foi também importante como ponto de cultura dos adolescentes entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, quando Zuila reunia a juventude para oferecer-lhe espaço acolhedor de convivência, clube de leitura e jogos educativos, na sua sede da Rua Pe. Cícero. Era como chamávamos o Clube do Sesinho, nome emprestado de um dos maiores sucessos editorial de revista infantil no Brasil, entre 1947 e 1960. Dona Zuila assinava esta revista com muitos exemplares e disponibilizava na sala de leitura. Também fomentava a assinatura, pois era uma publicação de grande expressão educacional, a partir de um elenco notável de personagens que formavam uma turma muito admirada (Sesinho, Bocão, Nina, Ruivo, etc.). O Clube do Sesinho se reunia três vezes por semana, entre 19 e 21 horas. A fórmula era simples e muito atraente: proporcionava leitura por uma hora, e a seguir tínhamos direito a escolher um dentre diversos jogos educativos.
O Clube do Sesinho inspirou a criação da equipe de futebol de salão, com o mesmo nome – Sesinho, que se tornou grande motivação e incentivo no esporte local, levando enorme legião de torcedores, admiradores de grande exaltação para as quadras do Cariri, onde as disputas aconteciam e onde a equipe conquistava grande animação. Eram desses momentos craques inesquecíveis, como Ivan e Idelvan Fernandes Magalhães, de Gilson Sobreira de Melo, de João Bosco Silva Cavalcante, de Hernandes Bezerra de Souza, e de “Vabolinha” Ribeiro Dantas. É para lembrar ainda a alegria de Zuila Morais, vestindo faixa de campeã do torneio regional, ao lado de toda a equipe, em 1961.
Zuila participou de inúmeros eventos relacionados às instituições que criou e dirigiu, destacando-se nos congressos de APAEs, no Encontro Interamericano de Proteção ao Pré-Escolar, no Rio de Janeiro, em 1968; no IV Encontro Interestadual da Federação Nacional das APAEs do Nordeste, acontecimento este que ela sediou em Juazeiro do Norte, em 1974, e outros mais. Foi domadora-fundadora do Lions Clube de Juazeiro do Norte, em 1956; e neste mesmo ano fundou o Instituto Brasil-Estados Unidos, bem como o primeiro curso de língua inglesa na cidade de Juazeiro do Norte, em 1959.
Foi fundadora e Conselheira do Movimento Bandeirante em Juazeiro do Norte, a partir de 1959, no mesmo ano em que fundou e dirigiu o Ginásio Menezes Pimentel, mantido pelo Instituto Domingos Sávio, que abrigou o então primeiro curso científico da cidade. Zuila Moraes criou também o primeiro curso de Classes Especiais, com denominação de Lar-Escola Helena Antipoff, anexo ao Instituto Domingos Sávio, em 1970. Essa escola, pioneira em pedagogia moderna (educação especial) contou com uma clinica (Clínica Leão Sampaio), para atendimentos psicoemocionais, dispondo de médicos (pediatras, neurologistas, psiquiatras) além de assistentes sociais, psicólogas, orientadoras educacionais especializadas, e técnicos em educação física. Os trabalhos eram exercidos por pessoal cujas especializações eram bem cuidadas em estabelecimentos de formação de largo conceito em grandes centros de educação especial do país.
Toda esta vida dedicada à sua comunidade foi o fruto primordial de um desejo incomum que nasceu nela e que contou com o apoio imprescindível de seu marido, Alberto Morais, e dos filhos que geraram para o mundo. Depois de cinco lindas filhas, saudáveis, de “marcolina” beleza, veio José Carlos, acometido de Síndrome de Down. Nasceu com ele o grande desafio de Zuila, de Alberto e de sua família, a inspiração e a força, não só para superar o desígnio, mas para gerar todos os impulsos que os levaram juntos a realizar o que foi possível e o quase impossível na direção da promoção humana, a que tanto se dedicaram. Por mais de 68 anos de idade, José Carlos foi a testemunha viva, silenciosa e admirada por esse exemplo coletivo de superação. O grande, o imenso troféu da vida de Maria Zuila e Silva Moraes e sua família.
Vários anos ausente da convivência social a que tanto se esforçou e manteve, Dona Zuila Morais, mercê de seu delicado estado de saúde, recolheu-se ao afeto de suas filhas, e de sua família, enquanto já era, em vida, perpetuada em meio ao largo círculo de amizade da comunidade do Cariri, pelo valor flagrante do conjunto de sua obra educacional, familiar e social.
Com o falecimento de Dona Maria Zuila e Silva Morais, ocorrido em 22.05.2013 aos 92 anos de idade, o setor educacional de Juazeiro do Norte se despediu de uma das suas mais importantes educadoras. Seu corpo foi pranteado e velado com grande tristeza, em meio às celebrações religiosas do seu sepultamento em cemitério de Juazeiro do Norte. A municipalidade juazeirense prestou-lhe uma homenagem, nomeando uma escola municipal, Escola Municipal de Educação Infantil Zuila Morais, no Bairro da Vila Três Marias.
Neste mês de março, e há poucos dias, celebramos o Dia Internacional da Síndrome de Down, como anualmente, em 21 de março, como forma de lembrar as pessoas sobre a importância da luta pelos direitos igualitários, o seu bem-estar e a inclusão das pessoas com Down na sociedade. Tonou-se indiscutível, também conosco em Juazeiro do Norte, que toda essa luta, de há muito, tem a fisionomia de Zuila. A Zuila, de Zeca de Marcolino, A Zuila de Alberto Morais, a Zuila dessas meninas “marcolinas”, a não esquecer as saudades de Márcia. Mas, principalmente, a lembrar a longa existência de José Carlos por quase sete décadas, falecido no ano passado, um grande exemplo de resistência, um dos mais longevos em nosso pais, no âmago dessa luta, como a nos confortar o que por anos se fez, destemidas, de Eunice Barroso Damasceno, para todo o Ceará e Maria Zuila e Silva Morais, a não menos que isso.
Por todos estes modestos apontamentos sobre vidas tão ilustradas, reconhecemos no gesto presente, esse “antes tarde do que nunca”, na decisão de nosso colegiado que procura resgatar para os de hoje e os pósteros, a lembrança perpétua de uma grande batalhadora da educação e da sociedade regional – Maria Zuila e Silva Morais, uma civilizadora na construção do desenvolvimento do nosso querido Vale do Cariri.
(Elaborado por Renato Casimiro, em 23.03.2018)
Nenhum comentário:
Postar um comentário