O Padre Cícero não é o único candidato a santo em Juazeiro do Norte, no Ceará. Passados cem anos de sua morte, ocorre, nos meios acadêmicos e também em sua terra natal, uma espécie de ressurreição do prestígio da beata “mestiça de cabelos quase carapinhos” Maria de Araújo (1862-1914). Há duas semanas, sua saga foi resgatada na defesa de tese de doutorado “Incêndios da alma”, de Edianne Nobre, no curso de História Social da UFRJ. Também este ano a prefeitura de Juazeiro inaugurou praça com seu nome.
Em 1889, numa missa celebrada pelo próprio Padim Ciço, uma hóstia na boca da beata teria se transformado em sangue. O “milagre”, que se repetiu dezenas de vezes, foi atestado por médicos da cidade. Mas tanto ela como o padre milagreiro foram depois desautorizados pelo Vaticano, e os restos mortais de Maria de Araújo chegaram a ser retirados da Capela do Socorro e enterrados em local ignorado.
Aqui, Edianne troca dois dedos de prosa com Ana Cláudia Guimarães, devota do jornalismo.
Por que Maria de Araújo ficou esquecida?
No Relatório da Santa Sé publicado em 1898, ela é chamada de “pseudomística, fabricante de milagres e inventora de imposturas”. A partir daí, uma série de condenações é imposta a ela, inclusive a proibição à população de se falar sobre os milagres. Ou seja, o processo de esquecimento da figura de Maria já começou no tempo dos seus contemporâneos.
Qual é a importância que ela poderia ter tido para o povo de Juazeiro?
Durante muito tempo, a beata ficou relegada ao segundo plano dentro da História de Juazeiro. Na produção historiográfica, ela só ressurgiu em 1989 no III Simpósio Internacional do Padre Cícero. É muito difícil dizer que importância ela teria para o povo de Juazeiro, uma vez que a memória sobre ela é muito escassa e sempre relacionada ao Padre Cícero.
Como era a relação dela com Padre Cícero?
Criança, ela conheceu o Padre Cícero (18 anos mais velho). Ele perdeu suas ordens sacerdotais porque defendeu não só os seus milagres, mas também por defendê-la. Eu poderia dizer que o Padre Cícero só se tornou quem ele é para o povo por causa da beata.
Edianne Nobre nasceu em 1984, na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará. Possui graduação em História pela Universidade Regional do Cariri (2007), Mestrado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010). Com a tese acima ela se doutorou pela Universidade Federal do Rio de Janeiro onde desenvolveu a pesquisa: "Beatas, misticas e visionárias: um estudo dos relatos misticos das religiosas leigas do Cariri cearense (1891-1895)".
Nenhum comentário:
Postar um comentário