Caros amigos,
Essa entrevista (publicada pela revista Época) com uma médica
canadense, Dra. Jacalyn Dufin, mostra como é a burocracia do Vaticano para que
algum cristão virtuoso seja reconhecido como santo. Ela explica porque motivo o
Brasil tem poucos santos, apesar de ser uma nação cristã católica desde sua
fundação: falta de dinheiro e de lobby. Ou seja, não basta ser virtuoso. Assim,
os nossos candidatos a santos populares (José de Anchieta, Padre Cícero) nunca
chegarão lá.
Ela se diz atéia, mas acredita
nos milagres.
Renato Casimiro
ÉPOCA – Como você se interessou
por milagres?
Jacalyn Duffin – Meu primeiro
contato com um milagre aconteceu há 30 anos, quando fui contratada por uma
família para analisar tecidos de medula óssea de uma paciente. Eu não fui
informada sobre nada do caso. Ao ver o material, notei que ele tinha oito anos
e percebi que aquela pessoa tinha o pior tipo possível de leucemia. Na hora,
assumi que a mulher estava morta. E pensei que a família estava me pagando para
eu diagnosticar o problema e ela processar o médico responsável. Por um ano e
meio, recebia a cada mês uma amostra diferente do tecido. Aos poucos, notei que
o problema estava regredindo. Até receber a última amostra e perceber que a
medula óssea estava normal. Era inexplicável. Para minha surpresa, a paciente
estava viva e me informou que fui recrutada para corroborar evidências de um
processo de canonização. Ela me explicou que foi curada porque rezou para a
beata Marie-Marguerite d'Youville. Isso me fez ficar obcecada com o tema,
porque sempre fui ateia.
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investigada”
ÉPOCA – E o que fez você começar
a pesquisar sobre o assunto?
Jacalyn – A mulher agraciada
pediu para eu ir ao Vaticano e depor sobre o seu caso. Lá, fui sabatinada por
uma comissão de médicos. Eles fizeram as pesquisas mais pertinentes e
complicadas o possível. O Vaticano tem um rigor científico incrível. Durante
minha pesquisa, notei que 97% de todos os milagres de 1588 a 1999 eram médicos.
Eles dão preferência a milagres médicos porque, em tese, são mais práticos de
serem comprovados. É mais fácil apresentar uma cura inexplicável do que
explicar uma multiplicação de peixes. Curiosa, eu decidi investigar o quão
difícil era reconhecer uma cura milagrosa no decorrer da história. E descobri
que a Igreja sempre foi exigente.
ÉPOCA – O Vaticano realmente se
interessa na medicina?
Jacalyn – Sim, e muito. O
Vaticano é rigoroso ao extremo. Ele exige que o melhor tratamento médico seja
dado em todos os casos de curas. E recomenda que os católicos tentem ao máximo
melhorar porque considera a medicina uma manifestação do trabalho de deus na
Terra. Quase toda pessoa que foi curada por um milagre teve acesso ao melhor
tratamento possível. Muitos, por exemplo, operaram e fizeram quimioterapia. E
somente se curaram após pedirem ajuda a um candidato a beato ou santo. Eu li
vários testemunhos de médicos que não sabiam explicar como alguns pacientes se
curaram do dia para a noite. Depois de estudar tanto sobre o assunto, fiquei
numa posição estranha. Eu sou ateia, mas acredito em milagres. A ciência
não tem como explicar certas coisas.
ÉPOCA – Como você define um
milagre?
Jacalyn – Segundo a Igreja,
somente deus pode fazer milagres. Se você apela a um candidato à santidade para
ser agraciado e consegue ser atendido, isso é uma prova que ele está com deus e
intercedeu em seu nome. O milagre não é simplesmente um acontecimento
maravilhoso para quem foi curado. É a evidência máxima das virtudes do
candidato à santidade.
ÉPOCA – A canonização é uma arma política
do Vaticano?
Jacalyn – Sim. Isso ficou nítido
com o papado de João Paulo II, que passou a canonizar com o objetivo de agradar
países onde a Igreja estava em
decadência. A canonização também pode ser usada como um
pedido de desculpas. Os Estados Unidos e Canadá, por exemplo, vem tendo uma
série de casos de crianças abusadas por padres. Há duas semanas, a Igreja
reconheceu santos para ambos. O Papa também pode canonizar um santo de um país
específico pouco antes de visitá-lo oficialmente, ou fazer a cerimônia nele
mesmo. Isso aconteceu com o Brasil em 2007, quando o Frei Galvão foi canonizado
em São Paulo
por Bento XVI. Ele morreu há séculos. Por que o reconhecimento veio naquele
momento? Não foi coincidência.
ÉPOCA – O que faz um país ter
mais santos que outros?
Jacalyn – Os países que são
ricos, poderosos ou geograficamente próximos do Vaticano naturalmente têm mais
santos e prioridade na fila de canonização. E não podemos ignorar os fatores
históricos. No século 17, todos os santos eram da Itália, Espanha e França.
Para a Igreja, o mundo era pequeno. Viajava-se com dificuldade e a comunicação
era tão complicada quanto. Com o tempo, países do norte europeu começaram a
ganhar seus santos. Colônias como o Canadá, meu país, também. Nós ganhamos
alguns santos que eram europeus, mas viveram um bom tempo aqui e por isso são
vistos como canadenses.
Transformar seu herói local num
santo exige muito dinheiro e tempo. É preciso pagar especialistas para embasar
a tese, coletar informações e capazes de fazer lobby pelo candidato no próprio
Vaticano. Ou seja, toda causa precisa ter um representante em Roma. São coisas que
potências têm mais condições de fazer. Uma saída para os países pobres, em
termos de financiamento, é que todo processo de canonização tem uma conexão
forte com o povo local, que pode estimular a causa e doar em prol dela. Ordens
religiosas também ajudam. Os jesuítas e franciscanos têm dinheiro para auxiliar
este tipo de empreitada.
ÉPOCA – Por que o Brasil, a maior
nação católica do mundo, tem poucos santos?
Jacalyn – O Brasil foi um país
relativamente pobre durante muitos séculos. Por isso, muitas pessoas não tinham
acesso aos melhores tratamentos médicos da época. Assim como não tinham
recursos para pagar os melhores profissionais para examinar as pessoas
agraciadas e atestar que houve um milagre. A Igreja exige uma série de
documentos sobre a vida do candidato e seus milagres. Toda essa informação
precisa ser coletada, transformada num dossiê e entregue ao Vaticano. O
processo de canonização é trabalhoso, consome muito tempo e custa caro. Por
muito tempo, o Brasil se viu em desvantagem por conta disso. Não sozinho.
Muitos países pobres católicos, que eram ou são nações em desenvolvimento, têm
poucos ou nenhum santo. O Brasil está crescendo de uns anos para cá. Não é um
acidente que vocês estão começando a ganhar santos agora. O país não tinha as
mesmas condições há 300 ou 400 anos, mesmo com candidatos brasileiros notáveis
que viveram vidas exemplares. De certa maneira, o processo de canonização discrimina
nações em desenvolvimento.
Um comentário:
O povo é mais sábio e dinâmico do que a Igreja Católica. Venero e respeito mais o Santo eleito pelo povo do que o comprado, razão pela qual a fé inabalável no Padre Cícero independe da manifestação favorável ou não do Vaticano. São Jorge para mim continua Santo. Geraldo Cacau Moreira de Oliveira.
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