Recordo hoje de algumas pessoas, figuras populares, que conheci na minha infância e também na fase adulta. Começo com Seu Manuel Magro, eletricista famoso, que andava numa bicicleta de guidões altos. Depois vêm Quitéria, uma solteirona que morava na Rua do Horto, que costumava visitar minha casa para merendar e aproveitava para usar seus dotes de cigana para ler a mão. Adélia uma excelente faxineira, mas que costumava engolir remédios, perfumes, e outras coisas mais que encontrava nas residências onde trabalhava. Evangelista, figura engraçada, cheia de gestos, de cabelos grisalhos bem cortadinhos, era o sacristão da Matriz de Nossa Senhora das Dores. João Pedro, um senhor de meia idade, com uma perna mais curta que a outra, talvez tenha sido acometido de paralisia infantil. Bem magro e de estatura baixa, mas tinha um senso de humor formidável, suas gargalhadas estrondavam. O seu trabalho era o de encerar as casas, pois naquele tempo o piso das residências era de mosaico e tinha que lustrá-lo. O seu instrumento de trabalho era um escovão de ferro e flanelas. Outra pessoa que guardo na lembrança, mas cujo nome nunca soube (alguém sabe?) era um senhor muito alto e magro, rosto fino, que passava nas casas consertando sombrinhas e guarda-chuvas. Usava um chapéu preto e as calças arregaçadas acima dos pés. Também me recordo de Seu Miguel, rapaz velho, funcionário da Farmácia Brasil, de propriedade de Dr. Belém, que nas suas horas vagas cultivava e vendia plantas. Sua casa era próxima à casa de minha tia Maroli. Mamãe e minhas tias gostavam de ir até lá para ver as novidades e comprar mudas de plantas. Ele tinha uma verdadeira adoração pelas plantas, acredito que foi a primeira pessoa a vender mudas de plantas em nossa cidade. Sua irmã, viúva, D. Joaquina, morava com ele e engomava para fora. Tinha uma boa freguesia. Seu Cícero Lolô, tinha uma bodega próxima à minha casa, na Rua São José cruzando com a Rua São João (antigamente), hoje Rua Alencar Peixoto, nos abastecia de chiclete e de pirró feito de açúcar. Seu Vatentim, antes um bom marceneiro, terminou sua vida como pedinte. Ele chamava atenção por onde passava por causa da elefantíase (também chamada de filariose, doença infecciosa) que o acometeu por longos anos. Na velhice, muito debilitado e sem poder trabalhar, ficava sentado nos batentes da Farmácia Pasteur, esquina com a Rua São Pedro com Santa Luzia à espera da caridade dos transeuntes. Cobria o ferimento com pó de madeira, e muita pessoas, assim como eu, não gostavam de olhar quando passavam perto. Uma figura inesquecível era a baixinha, magrinha, cabelo bem liso e que tinha o apelido de Pibite. Quem gritasse, chamando-a assim, ou buzinasse o carro próximo dela, ela perdia o controle e disparava a proferir palavrões xingando o agressor. Certo dia, passando em frente à minha casa, ela ia na garupa de uma bicicleta, um moço a carregava. Nisso os gritos começaram “Pibite”, e o rapaz que a conduzia, todo envergonhado, já prevendo a sua reação recomendava dizendo: “não responda, fique calada”. E a coitada, toda controlada dizia: “eu não digo nada, não é?” Teve muito controle nos nervos e na língua. As pessoas que estavam na calçada riam vendo como Pibite estava controlada. Quanta maldade! O motorista de praça, hoje denominado de taxista, Chico Batista, conhecido pelo apelido de Morcego, morador da Rua São José, vizinho de minha casa. Alto, magro, de cor morena, cabelos bem enroladinhos, olhos grandes, mas tinha o hábito de beber muito, e isso afugentava os passageiros que precisavam dos seus serviços. Morreu cedo, devido a bebida. O engraxate Seleta afirmava que tinha cento e seis anos. Ficava bem sentado numa cadeira alta, em frente ao Armazém Bandeirante, entre a Rua São Pedro e São Francisco. Gostava de contar muitas histórias, juntava muita gente ao seu redor para ouvi-lo. Deixou de fazer o que gostava que era engraxar sapatos porque ficou com problemas nas pernas e teve que usar muletas. O chapeado 33, profissão carreteiro, a placa estampada no chapéu com o número, e assim era chamado. Usava um chapéu grosso com revestimento interno para amenizar o peso das mercadorias que transportava na cabeça. Tinha o seu ponto certo, quando algum comerciante precisava do seu trabalho, era no Armazém São Pedro, de propriedade de seu Alberto Morais, na Rua Santa Luzia. Seu Caboquinho, baixinho, cabelos e bigode bem branquinho, voz mansa e fina. Morador da Rua do Cruzeiro, bem próxima da Rua São Paulo. Costumava usar camisa de mangas longas, passada com um cinturão bem apertado, colarinho abotoado e calça comprida de cor azul anil e chinelas de dedo. Trabalhava nas residências como faxineiro. Era bem exigente com o material usado e gostava de comer bem. Zé Perequeté (ele detestava este nome), era bem desaforado com quem o chamava assim. De cor escura, costumava usar branco, calça e camisa se destacavam muito devido a sua cor. Sua profissão era caiar casas e fazer pequenos consertos, como mudar telhas quebradas, consertar pias entupidas, espanava casas e algumas vezes era chamado para vigiar casas quando os proprietários viajavam. Lembro da vara de coqueiro bem grande que ele utilizava para vasculhar as casas de aranhas e sujeiras que se alojavam nas telhas. Conversador e adepto de um cafezinho para fumar. E para encerrar, não posso deixar de mencionar Maria da Boa Imprensa, solteirona, tinha como profissão vender livros religiosos, estampas de santos e o famoso calendário de folhinhas diárias para destacar do Sagrado Coração de Jesus. Visitava sempre as igrejas e na época da romaria aproveitava para propagar e vender os seus artigos que transportava sempre em sacolas enganchadas no braço. Suas roupas conservadoras, blusas de mangas compridas ou vestidos quase longos e uma espécie de véu que colocava na cabeça. Não permitia que a chamasse de mulher, ficava irritada e dizia que era coisa do demônio. Aproveito esse espaço para explorar e exercitar minha memória com fatos, histórias, figuras históricas e coisas que me deixaram saudade. Dessa forma também presto minha singela homenagem ao que já tivemos nessa cidade centenária.
Maria da Boa Imprensa, Adélia e seu Miguel |
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