sábado, 3 de setembro de 2011


Lembranças da Rua São José – III
                                              Casa de dona Minervina

    Passando estes dias na Rua São José, no quarteirão que morei na época da minha infância, entre a Rua Santa Luzia e Alencar Peixoto (antiga Rua São João), vejo três adesivos pregados na casa de nº 756: VENDE-SE. Imediatamente me transportei para os momentos que vivi nessa casa, com dona Minervina, a mãe, e as filhas, Zefa (Beba), De Jesus, Maria (Babá), Tereza, Ruth (Nina), o filho Chico e uma tia delas, chamada Dedé, que era rezadeira. Rezava com um raminho para tirar mau olhado de crianças e espinhela caída, tinha uma clientela certa. Lembro que na sala da frente, que elas chamavam de sala do Santo, tinha uns bancos compridos de cor preta, que a gente (meus irmãos e primos) sentávamos para ouvir estórias de trancoso ou de assombração. Quem contava eram Tereza e Nina. Quando elas começavam a contar, eu ficava bem próxima de uma delas, pois era muito assombrada e ficava tão assustada que meu impulso era de me proteger agarrando no braço delas. O pior era quando ia dormir, olhava debaixo da cama, me cobria com o lençol de cabeça e tudo e a tremedeira era grande, o medo não me deixava dormir. Corria para o quarto de meus pais, querendo dormir com eles, voltava desolada, pois a expulsão era imediata e ainda brigavam porque tinha ouvido estórias de terror. O tempo foi passando e o encantamento dessas brincadeiras foi perdendo o sentido; surgiram, então, as brincadeiras de rodas, "três, três passarão, derradeiro ficarão, se não for o diante, será o de detrás, trás"; atirei o pau no gato; viuvinha; marré, marré; ciranda, cirandinha; Terezinha de Jesus; escravos de Jô; o cravo e a rosa etc. Não havia alfalto, a iluminação era muito fraca, não existia ainda a energia de Paulo Afonso e costumávamos brincar na rua, de mãos dadas formávamos uma roda bem grande em frente a casa. Nela também comi muito salgadinho, bolo, doce. Fiz também o curso de arte culinária ministrado por De Jesus, uma das filhas mais velhas e que era uma exímia cozinheira. Ela trabalhou por muitos anos na casa de seu Mascote e de dona Lígia, foi lá que desenvolveu suas prendas culinárias. Depois,  morou um período com a professora Assunção Gonçalves e com ela aprendeu a confeitar bolos, tarefa que fazia com muita arte. Trabalhou no Sesc como professora de Arte Culinária e vendendo merenda (pão com doce de goiaba, cocada) na Escola Normal. Babá fazia as roupinhas para minhas bonecas e depois passou a costurar minhas roupas e das minhas irmãs e primas. Ela, pertencia à Irmandade das Filhas de Maria, usava, no pescoço,  um cordão de prata com uma medalha da Virgem Maria. Toda quinta-feira ela costumava ir para a Hora de Guarda na Matriz, e sempre me levava. Nina, a caçula, tinha o seu próprio quarto, ou melhor, dela e de sua mãe, este estava sempre com a porta fechada, mas ela permitia que a gente entrasse e brincasse com ela e com as suas bonecas. Todo cuidado era pouco com as suas preciosas bonecas, tinha muito ciúme. Ai de quem não pegasse ou brincasse com cuidado, o grito saía imediato e ainda expulsava a descuidada. Nina morou por um período em Maringá (PR) com seu padrinho padre Jésu Flor, quando retornou para Juazeiro, se especializou em fazer salgadinhos por encomenda, daí conseguiu uma freguesia certa e seu sobrinho Roberto entregava em domicílio. O meu contato com Beba foi mais na casa de titia Maroli, ela muito novinha foi trabalhar lá  e ficou por muitos anos. Vinha na casa de sua mãe passar só um tempinho, gostava de ficar sentada na calçada palestrando com sua mãe. A cena era bonita, Beba sentada na cadeira de balanço de madeira com assento de couro e dona Minervina encostada na parede da frente da casa com um cachimbo dando suas baforadas. Todas elas tiveram dificuldade em aprender a ler, frequentaram escolas radiofônicas, mas não conseguiram êxito, então, quando elas precisavam se comunicar com os familiares que moravam em Belo Jardim (PE) pediam que uma de nós, no caso minhas primas ou eu para escrever as cartas. Todos os anos na Romaria do mês de setembro a casa ficava lotada, hospedavam parentes e pessoas que eles traziam, o caminhão ficava estacionado na frente da casa. A Renovação do Coração de Jesus festejada no dia 1º de setembro era muito concorrida, a rua ficava praticamente interditada. Mandavam caiar a casa todos os anos para este dia festivo. Os bolos, os sequilhos, o aluá eram preparados com antecedência. A comida era sempre muito farta. Fazia gosto assistir. O saudoso Padre Murilo celebrou muitas vezes e fazia isso com muito prazer. Este ano mesmo com a ausência de todos (já falecidos), os sobrinhos quiseram continuar com a tradição e a renovação foi rezada. Tudo se foi. Agora restam as lembranças e a placa de VENDE-SE deixa em meu coração uma saudade doída de um tempo que já vivi e de pessoas que já se foram  e deixaram marcas imorredouras.   


E-MAIL RECEBIDO:
    Querida prima,
    Linda matéria, parabéns! Adorei as fotos, você consegue realmente vasculhar o baú da nossa história.
    Beijos,
Marilourdes Macedo Leitão, Fortaleza, Ceará

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