Consta que o padre Pedro, primeiro capelão de Juazeiro, era muito zeloso; cuidava da pequenina população do lugarejo, formada principalmente de pessoas do campo, ensinando-lhes a rezar e a trabalhar. Na época invernosa a população entregava-se aos trabalhos agrícolas; homens e mulheres iam para a roça ocupando-se no cultivo do arroz, milho, feijão, mandioca e algodão. Após a colheita, as mulheres ficavam em casa desenvolvendo trabalhos domésticos e fiando algodão para tecer a roupa dos maridos e dos filhos que elas mesmas costuravam, pois não havia máquina. Os homens se dedicavam aos trabalhos da Fazenda, alimentação do gado, solta das rezes nos pastos, ordenha, vaquejada, desmancha de mandioca, caça, pesca, etc. Todos ali aprendiam o Catecismo, rezavam e trabalhavam sob a orientação do padre que não permitia a promiscuidade e fazia tudo para evitar a discórdia entre os habitantes. Foi assim, nesta atmosfera de paz e tranquilidade, que viveram os primeiros habitantes de Juazeiro de 1827 a 1833, quando faleceu o padre Pedro cercado do respeito e amor de todos que o conheceram. As festas mais concorridas, além das religiosas, eram os casamentos. Eram feitos com grande animação: três dias de festa antes do casamento na casa do pai da noiva ou de outra pessoa que o representasse e três dias na casa da família do noivo, após o casamento; depois destes festejos todos, o noivo tinha o direito de levar a noiva para casa.
Os padres que o substituíram na Capelinha eram também zelosos e piedosos. O povoado ia crescendo; novas casas foram construídas, sempre localizadas em torno da Capela e ao longo das proximidades da margem do rio Salgadinho. Surgiram, então, os primeiros aglomerados: Cacimba do Povo, Rua do Brejo, Feira do Capim, Mercado Velho, Boca das Cobras, Volta, Salgadinho, Mochila, Comboeiro (Malvas).
Com a chegada do Padre Cícero (em 11.04.1872) como capelão e graças a sua dinâmica atuação, já tão difundida nos livros que tratam de sua vida, o pequeno lugarejo sofreu profundas transformações até chegar ao estado em que se encontra hoje.
O escritor J. G. Dias Sobreira, em seu livro Curiosidades e factos notáveis do Ceará, informa que quando visitou Juazeiro em 1856, o povoado tinha o seguinte aspecto:
O povoado, nesse tempo, compunha-se de umas sessenta casas de taipa, umas cobertas de telhas e outras de palha de carnaúba ou de palmeira. A disposição delas não obedecia à regra natural de arruamento. Logo na entrada do povoado, começavam duas fileiras de casas, sem guardar a eqüidistância, no seu prolongamento. Ao seguir iam elas afastando-se, de modo que, tendo no começo uns vinte metros de largura, terminavam com mais de cem metros ao chegar à igreja. Não havia estética nem nexo, naquela formação de arruamento”.
Porém, em 1909, um documento apresentado à Assembleia Legislativa do Ceará, em apoio ao pedido de autonomia municipal para Juazeiro, encontrado por Ralph della Cava nos Arquivos do Colégio Salesiano, informa que antes de se tornar independente do Crato o povoado de Juazeiro já se encontrava em acelerado ritmo de desenvolvimento, graças à ação do Padre Cícero. Já possuía uma farmácia, um médico residente, um jornal, várias instituições religiosas, como o Apostolado da Oração, fundado pelo Padre Cícero, um escritório de intercâmbio comercial com a capital e uma instituição civil para cuidar do engrandecimento do lugar. A zona rural de Juazeiro possuía 22 engenhos de açúcar empenhados na produção de rapadura e subprodutos alcoólicos e cerca de 60 locais equipados para preparar farinha de mandioca. Além do cultivo de arroz, feijão e milho, Juazeiro já se destacava na produção de borracha de maniçoba e algodão. Foi Padre Cícero quem introduziu a borracha no Cariri, na primeira década do século XX. E graças ao seu empenho, o algodão, cuja cultura havia sido quase totalmente abandonada, reapareceu entre 1908 e 1911. Ele chegou a comprar uma máquina de beneficiamento de algodão, movida a vapor. A borracha e o algodão foram os principais responsáveis pelo intercâmbio econômico de Juazeiro com o comércio exportador das grandes casas comerciais da capital cearense, especialmente com a firma francesa Boris Frères e a companhia brasileira de Adolfo Barroso.
Mas o crescimento urbano do povoado foi ainda maior do que sua expansão agrícola. A população do povoado era de 15.050 habitantes. A zona urbana compreendia 22 ruas e duas praças públicas iluminadas a querosene. No setor de serviços havia duas padarias, três barbearias, duas farmácias, quinze alfaiatarias, dezoito escolas particulares e duas públicas, uma tipografia, uma estação de telégrafo, uma agência de correios, um tabelião e uma repartição da Coletoria de Impostos do Estado.
O comércio pulsava com a realização de uma feira semanal, realizada aos domingos em frente à Igreja de Nossa Senhora das Dores. Existiam dez lojas de tecidos e artigos de armarinho, igual número de armazéns e cerca de 30 pequenas mercearias, bares e lojas de miudezas. Muitos dos comerciantes tinham imigrado para Juazeiro provenientes de pequenas cidades vizinhas e de outros Estados. Mas a atividade econômica principal do povoado provinha de suas indústrias artesanais de onde saíam uma grande e diversificada produção de produtos utilitários e decorativos, além de produtos religiosos. Tudo se desenvolveu tendo em vista atender às demandas de consumo em ascensão e como uma resposta oportuna à incapacidade das limitadas áreas rurais de Juazeiro para absorver os imigrantes nas atividades agrícolas, de imediato após a chegada. Chegando ao povoado, os romeiros, orientados pelo Padre Cícero, trabalhavam na manufatura de vários artigos de uso doméstico confeccionados com matéria-prima local: louças de barro, vasos, panelas, cutelaria, sapatos, objetos de couro, chapéus, esteiras de fibras vegetais, corda, barbante, sacos e outros receptáculos para estocar e expedir gêneros alimentícios. As habilidades manuais do povo e as necessidades do sertão levaram, eventualmente, à fabricação e exportação de instrumentos rurais típicos, tais como, enxadas, pás, facas, punhais, rifles, revólveres, balas e pólvora.
Logo cedo, devido à grande procura de seus produtos, muitos artesãos saíram de suas casas e passaram a produzir em maior escala em oficinas amplas e equipadas de máquinas, localizando-se no centro da cidade para ficarem mais ao alcance dos clientes. Naquela época, o lugarejo possuía 40 mestres-de-obras, 8 ferrarias e 7 oficinas de latoeiro, 15 fogueteiros, 20 oficinas de sapateiro, 2 ourivesarias, 35 carpintarias e até mesmo uma fundição que produzia sinos de igreja, relógios de parede e de torre de igreja destinados à exportação no Nordeste.
Os reflexos do desenvolvimento do povoado estavam bem evidentes nos impostos arrecadados... principalmente para o Crato. Por isso, o desejo de se tornar independente nasceu. (Extraído do livro História da Independência de Juazeiro do Norte, de Daniel Walker)
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