sábado, 20 de novembro de 2010
Avós maternos de Mons. Murilo:
Pedro Oliveira e
Vicência Correia de Oliveira
HISTÓRIAS DO MURILO
Em algumas ocasiões, dias comuns nos quais assisti-lhe na celebração eucarística das missas às cinco da manhã eu senti que de sua palavra me vinha um sentimento de autoridade. De um homem que falava ao mais simples dos irmãos, sem arrodeios, sem requififes literários (como ele mesmo referiu por escrito). Observei, quando lhe saudei pelos 40 manos de sacerdócio: “A sua autoridade, mais e mais, se exercita na convivência com milhões de romeiros que procuram esta terra, como a derradeira paragem da utopia sertaneja(...) Bendita seja esta missão vivificadora de um homem santo de Deus, cuja palavra serena e esclarecedora, prenhe de imagens ricas, nos mantém vivos e impregnados do evangelho, na homilia dos dias simples.” Ficou uma expressão tão forte que, ao ser consultado sobre o título do seu livro póstumo, não tive dúvida em sugerir: Homilias dos dias simples. E ficou.
Era domingo, pelas 19:00h, final das férias de julho, início dos anos 70. Voltávamos para o reinício das aulas em Fortaleza. Num daqueles ônibus que fazia o trajeto por Caririaçu, havia de tudo. Gente meio chorosa que deixava namorada para trás, gente saudosa da vidinha boa do Cariri e as festas durante as férias, gente ansiosa que estava para ser testada no vestibular, uma turma alegre que bagunçava e cantarolava. O ônibus saia da rua da Conceição, descia a São Pedro e passava em frente a matriz. Era a hora da missa. O motorista ligou o rádio e ouviu-se a voz forte do vigário. Fez-se um silencio no exato momento em que ele dizia o que se tornou uma saudação inconfundível: “Meus irmãos, em Nosso Senhor Jesus Cristo”. E seguiu com a homilia. Pelas tantas ele nos surpreende: “Motorista do ônibus da Rápido Juazeiro que sobe a Serra de São Pedro levando nossos jovens para os colégios de Fortaleza, muito cuidado quando for passar na Curva da Morte”.
Não seria precipitado dizer que, realmente, Pe. Murilo teve um comportamento típico de quem se despedia de Juazeiro, dos amigos, de seus “cantos”, pouco antes de seguir para Fortaleza onde foi submetido à operação. No falar era para que ficássemos tranqüilos, pois ele imaginava que fosse um tumor de pequena repercussão, numa extremidade do fígado. Dizia que não tinha medo da operação. O que lhe preocupava eram as consequências. Assim foi no almoço da casa de Assunção Gonçalves, de onde ela o viu partir chorando. Nos gestos, poucos, mas havia essa suspeita. Tanto Mirian, sua caseira no Limoeiro, como o Pe. Sebastião Bandeira, na casa Paroquial, referiram que nas despedidas ele percorrera a casa, os quartos e salas, como se estivesse vendo aqueles recantos pela última vez. Apesar das brincadeiras, Pe. Bandeira lembrou que eles se despediram emocionados. E assim foi também com Alzirinha, com o cachorro e com o gato. Só então, Daniel Walker o levou para o aeroporto.
Revendo o Atestado de Óbito de Mons. Murilo ali pude ler: Certifico que, sob o número 232564, às folhas 281 do livro C271 do Registro de Óbito, arquivado em meu cartório (Norões Milfont), nesta cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, consta que faleceu de Falência de Múltiplos Órgãos, Insuficiência Hepática, Cirrose Hepática, Insuficiência Renal e Diabetes, Francisco Murilo de Sá Barreto, na data de 04 de dezembro de 2005, às 05:30 horas em Fortaleza-Ceará, no Hospital São Carlos, do sexo masculino, com 75 anos de idade, filho de José Pácifer de Sá Barreto e de dona Laudelina Correa de Sá Barreto, de profissão sacerdote, e estado civil solteiro, sendo natural de Barbalha-CE, tendo atestado o óbito o dr. José Huygens Parente Garcia (CRM 3791). Obs.: O falecido será sepultado na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores – Capela do Encontro, Juazeiro do Norte.
A urgência da expedição do atestado de óbito para cumprir formalidades legais (a retirada do corpo do Hospital, o velório por algumas horas em Fortaleza e a trasladação para o Cariri) não podiam esperar a conclusão de todos os procedimentos médico-laboratoriais que se iniciaram com sua internação. De fato, somente depois da missa de sétimo dia, a pedido da família, eu fui ao laboratório de patologia em Fortaleza para apanhar o resultado da biópsia que havia sido procedida numa porção de 700g do tecido hepático extraído no ato cirúrgico. Ali consta: “Carcinoma hepatocelular moderadamente diferenciado, grau 2 de Edmondson-Steiner, padrão arquitetural cirrótico (maior diâmetro tumoral = 6,0cm). Meses depois, minha filha passou pelo bisturi do Dr. Huygens Garcia. Quando veio dar-lhe alta eu indaguei a este respeito e ele me esclareceu: - Não havia dúvida que o câncer estava na origem da verdadeira causa mortis. Não poderia constar porque não se tinha o resultado do anátomo-patológico.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário