sábado, 16 de outubro de 2010

HISTÓRIAS DO MURILO
- O Caldas. Quantas vezes Murilo foi ao Caldas? Impossível contar. Para ele era umA festa. Destas viagens escreveria em janeiro de 1954 que “é sempre aquele pedacinho quieto, bom, amigo, saudável e rico, onde se agrupam os que se enfadam e cansam, mas que recebe também os que precisam de um repouso sem calor, com banho e quietude. Salve o Caldas. (...) Um paraíso. Não há aquele calor, aquela quentura de Barbalha, mas uma boa temporada onde folga o espírito com o alimento corporal e espiritual”. Naquelas férias de 1954, na casa de Heloisa Coelho (“...hospitaleira e sumamente delicada...”), ele aproveitara ao máximo os banhos, os passeios, o contato com gente adorável, como Neli Sobreira, e não deixaria de falar das frutas que colhia pelos sítios. Anos adiante Murilo comprou uma casa por lá. No alto do morro, o Caldas continuava sendo um refúgio.

- No tempo de Dona Olindina, fiel governanta da casa, as pessoas eram atendidas na porta interna, e uma parte era de vidro permitindo que logo se visse o interior. Na época de romaria havia pouco sossego, porque a ordem era atender a todos. Depois, foi necessário, até por questões de segurança, limitar e a porta fechada passou a ser a da calçada. Observei algumas vezes que romeiros marcavam cerrado para flagrar o vigário numa saidinha e assim puxar uma conversa, pedir uma benção para suas compras de produtos religiosos (“-Padre, benza meus “troços”). Numa dessas conversas na porta da casa paroquial, em tempo de romaria, entre o vigário e um grupo de romeiros de Alagoas, lhe perguntaram: - Padre, como foi isso que o senhor veio parar aqui no Juazeiro? No que respondeu: “Olhe, o padre velho (Mons. Lima) não podia mais, e aí eu fiquei agüentando o “banzeiro” de lá pra cá, até hoje.”

- Faz pouco tempo, já agora depois de sua morte, puseram na boca de algumas pessoas a certeza de que falavam como amigos de Pe. Murilo. O flagrante era dizer de coisas que jamais sairiam de sua mente e do recôndito de sua alma. Assim me pareceu. Quem eram, realmente, seus amigos, seus benfeitores além da família? O que era amizade para ele? Para realçar o seu sentimento, apelava para a parábola do bom samaritano. “Por mim, passaram também levitas e sacerdotes inclementes que quando não me tiraram do caminho, passaram sem nada me ousar fazer. Sei quais são... mas por mim também passaram bons samaritanos que lançaram sobre mim os olhos de sua caridade e tornaram-se ardentes batalhadores do bem, arrostando até inúmeros sacrifícios, contanto que se cumprisse o mandato do Mestre: Ide e fazei vós o mesmo.”

- A morte no discurso de Murilo de Sá Barreto era uma provação, como ele escreveria a respeito do infausto de 30.06.1953 (“...notícia trágica para quem,como eu tenho um coração tão avesso à melancolia...”). Foi nesse dia que sua avó, dona Vicência, faleceu (“...foi viver na eterna mansão dos justos...”). Murilo tinha passado as férias de meio de ano em Barbalha e acabara de retornar ao Seminário de Fortaleza. A notícia lhe chegara com alguma demora e só em meados de julho ele registra a notícia e o choque que sofrera. Vicência Correia de Oliveira era a sua avó materna, portanto, mãe de Laudelina Correia de Sá Barreto. No registro, a última mensagem: “...Leve consigo a expressão sincera de meu amor, de minha gratidão. Amei-a porque fui sempre uma ocasião de seu amor manifestado, um instrumento de sua delicadeza.”

- Numa entrevista, Pe. Murilo foi indagado sobre Frei Damião como possível sucessor do padre Cícero. Como ele explicava isto? Para ele, “A mentalidade do povo é a seguinte: a ação de Deus se manifestou em Jesus Cristo muito fortemente. Jesus Cristo então teve um sucessor, alguém que pregou como ele pregou, para o nordestino mais próximo. Esse alguém seria padre Cícero. Padre Cícero seria alguém que continuasse esse mesmo ponto de vista porque há uma eternidade nessa palavra. Então, essa pessoa seria Frei Damião. Também Frei Damião começou a pregar imediatamente depois da mudança do padre Cícero, como o romeiro fala. Padre Cícero morreu em trinta e quatro e ele começou a missionar em trinta e seis aqui no Juazeiro. É bem possível que depois de Frei Damião outro surja...”

Nota: Por e-mail, Déborah de Sá Barreto cALLOU me corrige quanto a grafia de estórias. É que eu ainda estava preso à verificação que fiz na edição de 1988 do Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Segundo ela, agora só existe história ou História. Então, na medida que for lembrando essas “passagens”, provavelmente vocês ainda continuarão lendo as histórias do Murilo. Muito grato por sua leitura atenta e os votos cordiais.(Renato Casimiro)

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