Poucos personagens, nas últimas décadas do Império e nos primeiros anos da República, em Lavras da Mangabeira, tiveram tanta projeção na vida pública da comuna quanto o tenente-coronel José Joaquim de Maria Lobo.
Advogado provisionado, professor primário, inspetor escolar, Promotor de Justiça, Vereador, jornalista com aspirações a literato, membro da Guarda Nacional da Comarca, proprietário rural no sítio Calabaço e líder do Partido Monarquista na Vila de São Vicente Ferrer, José Joaquim de Maria Lobo, ao contrário daquilo que sobre ele registrou o Núncio Apostólico do Brasil, Girolando Maria Gotti, tinha formação cultural bastante razoável.
Estudou, como registra o Padre Heliodoro Pires, no tradicional Colégio do Padre Rolim, em Cajazeiras, Estado da Paraíba, onde foi colega do Padre Cícero Romão e de José Marrocos, e assim também dos seus conterrâneos: o coronel Gustavo Augusto Lima e o poeta Fausto Correia de Araújo Lima, personagens que, assim como ele, gravitaram ao redor do Padre Cícero e das suas grandes peripécias.
Natural do sítio Francisco Gomes, município do Crato, onde nasceu aos 18 de setembro de 1849, consta que passou a residir na freguesia de Lavras a partir de novembro de 1866, quando o seu pai, o Coronel João Lobo, adquiriu por compra o sítio Calabaço, onde instalou o tronco da família Lobo de Macedo, naquele município.
Conhecendo o Padre Cícero desde os tempos de internato em Cajazeiras, abalou-se com a propagação dos milagres a partir da povoação de Juazeiro; e tanto neles acreditou que deixou para trás a sua família, as suas raízes culturais e a sua prosperidade como agricultor, para mudar-se definitivamente para Juazeiro, a partir de 1894, onde assumiu um papel relevante na divulgação da mística do grande taumaturgo do Nordeste.
O Velho Zé Lobo, como se tornou amplamente conhecido, fundou, no Ceará, a Legião da Cruz, e tornou-se, até a sua morte, o seu líder consumado. Levou a causa de Juazeiro ao Rio de Janeiro e depois a Roma, sendo ali o advogado do Padre Cícero, junto ao Tribunal das Santas Inquisições, residindo, inclusive, com o sacerdote, na Cidade Eterna, durante oito meses, aproximadamente.
Viajou para Roma, pela primeira vez, em setembro de 1896, ali protocolando, junto ao Santo Ofício, a defesa do seu constituinte, que seria no entanto condenado, em 10 de fevereiro de 1897.
Esteve uma segunda vez em Roma, segundo Joaryvar Macedo, mas é certo que voltou ao Vaticano, pela terceira vez, em março de 1898, a chamado do Padre Cícero Romão, que a ele tudo confiava, permanecendo em Roma até outubro de referido ano, quando regressou ao Brasil, portando uma das maiores vitórias que um advogado brasileiro poderia obter junto a um Tribunal Internacional.
Desembarcou em Juazeiro, provavelmente acompanhado pelo Padre Cícero, no final de outubro de 1898, carregando milhares de cruzes de madeira que afirmava terem sido bentas pelo Papa, em favor da causa que havia defendido. Um político muito astucioso, com certeza, e um advogado muito habilidoso, que muitas dores de cabeça deu ao Bispo Dom Joaquim e à cúpula da Igreja Católica cearense.
Não é justo, portanto, a pecha de ignorante com que foi denunciado junto ao Vaticano, pelo Núncio Apostólico do Brasil, pois não podemos presumir que um jornalista e professor primário, Ex-Vereador e Ex-Promotor de Justiça, na terra de Dona Fideralina e dos Augustos, navegando nas hostes da oposição, fosse alguém desprovido de atributos no plano da cultura.
Cognominado O Lobo de Juazeiro, pelo Santo Ofício, e largamente acusado de haver abarrotado o Óbulo de São Pedro de moedas e não de argumentos lógicos em prol da sua causa, era o Velho José Lobo uma figura de chamar a atenção, segundo o jornalista Lira Neto, que o descreve vestido de “terno preto, fitas coloridas e medalhinhas religiosas pregadas na lapela”. E acrescenta: “Uma espécie de beato de paletó e gravata, dono de sólido patrimônio”
Um Zé Lobo, portanto, muito diferente daquele que conheço de fotografia, portando uma farda de matador de mosquito do IFOCS, já na fase derradeira em que restava apenas o coronel decadente, vivendo às expensas da família, no glorioso Sítio Calabaço, onde se guardava, até a década de 1970, uma velha arca de couro que lhe teria pertencido e que o acompanhou nas suas viagens à Europa.
O próspero agricultor e pecuarista José Joaquim de Maria, segundo o sociólogo norte-americano, Ralph Della Cava, teria sido o arauto maior de Juazeiro e o seu grande arquiteto, não se justificando, assim, que os historiadores do Cariri ou do Nordeste tenham esquecido o seu nome, a contar do seu sobrinho Joaryvar Macedo, que tanto reclamou sobre o assunto.
As terras das quais era senhor, em Lavras da Mangabeira, pertenciam, a rigor, ao seu pai, o coronel João Lobo de Macedo, que exerceu domínios sobre o engenho e a casa-grande do sítio Calabaço, em cuja alcova vim ao mundo, em 1956. A Água Fria, o Junco, o Barro Banco e o Baixo constituíam, na adolescência e ainda na velhice de Zé Lobo, um núcleo de poder patriarcal, econômico e social de grande efervescência, sendo justo, portanto, o afirmar-se ser o filho da Dona Sinhara e do Seu João Lobo um dos grandes latifundiários da margem esquerda do Salgado.
Os biógrafos do Padre Cícero e os intérpretes da região do Cariri, costumam registrar que o fundador de Juazeiro teve duas grandes orientações: a do Velho Zé Lobo, na sua fase mística e de oblação espiritual; e a de Floro Bartolomeu, na sua fase predominantemente política.
Floro Bartolomeu, como é sabido, esmagou a influência de Zé Lobo sobre o sacerdote e levou o líder da Legião da Cruz à mais espantosa miséria e à sua total exclusão da vida social, de forma que o mesmo veio a ser socorrido pelo seu irmão, o coronel Joaquim Lobo de Macedo, que o levou de volta ao município que primeiro o acolheu, reconciliando-o com a sua família e com os seus conterrâneos, tanto na cidade de Lavras, quanto no sítio Calabaço.
O Velho José Lobo era outro, no entanto, pois não mais se conciliou com a sua antiga tradição. Finalmente, vítima da gripe espanhola, conhecida como A Bailarina, veio a falecer, em 1918.
Foi casado com a lavrense Mariana Alves Bezerra (Maninha), filha de Raimundo Correia Lima (Raimundo Gordo) e Glória Alves Bezerra (Glorinha). Uma de suas filhas, Raimunda Senhorinha de Macedo (Mundinha), tornou-se legionária e beata em Juazeiro do Norte; a outra, Maria da Glória de Macedo (Mariinha), casou-se com Aristides Ferreira de Menezes, vindo a ser avó de Durval Aires, um dos grandes escritores cearenses.
Dos seus artigos publicados em jornais e assim dos seus escritos inéditos muito se valeu Irineu Pinheiro para escrever a história de Juazeiro e também do Cariri. E da sua decisão de propagar Juazeiro, para além do Vaticano e da Igreja Católica do Brasil, muito ainda terá que depender a reabilitação do nosso grande taumaturgo.
Falta-lhe, no entanto, um biógrafo ou talvez um intérprete que o coloque, noventa anos após a sua morte, na sua devida projeção, pois sem a sua causa, a sua valentia e sua cultura de advogado, Juazeiro talvez não tivesse o status que hoje tem no Vaticano.
(Dimas Macedo, de Fortaleza. dim.macedo@hotmail.com)
Um comentário:
Durante muitos anos uma foto na parede de uma casa no bairro do Rodolfo Teofilo era por mim contemplada e a história destas duas pessoas relatada por Antonia Aires (Toinha).
- Minha mãe Maria da Glória e Meu pai Zé Aires.
Esta fotografia do casal já idoso esta no livro de Otavio Aires de Menezes" Juazeiro editado pelo nosso desembargador Durval Aires.
Ela filha de Zé Lobo e ele filho do coronel ARES.
Tiveram vida longa, um dos seus netos, Antonio Otto de Menezes deixou prole numerosa entre elas a minha esposa Deiva Menezes me que deu dois filhos, Victor e Vanessa.
Os descendentes do casal, portanto descendentes do Coronel Ares e do Lobo de Juazeiro simultaneamente, são muitos.
Pessoas inteligentes e honradas cuja história está intimamente ligada a história de Juazeiro.
Gostaria muito de visitar o sitio calabaço onde viveo o velho Zé Lobo.
Pasceles Aguiar
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